Marcelo Peregrino Ferreira escreve artigo sobre o saneamento básico em Santa Catarina No texto, Marcelo aponta que 207 dos 295 municípios catarinenses não têm rede de coleta de esgoto e que o Estado não aparece entre os 20 melhores no ranking do Instituto Trata Brasil.

– Merde! Gritam os atores antes de se submeterem à ofuscante ribalta do teatro. Atriz com grande experiência no cenário pré-adolescente em peças como “A Turma da Monica” e grande elenco, minha filha Maria me contou que no século XIX, o sucesso das peças de teatro era medido pela quantidade de bosta nos arredores do teatro, prova maior da presença de cavalos, caleças, carruagens, enfim, de público. Portanto, a esquisita evocação significa um desejo de sucesso da peça teatral, devidamente apurado pela quantidade de excremento animal a indicar o blockbuster, o arrasa-quarteirão.
Se o Estado de Santa Catarina fosse uma peça de teatro poderia se dizer que seria um espetáculo de raro sucesso e o desejo dos autores evocando a merde teria mesmo dado resultado.
Infelizmente, se abundam autores e performances impressionantes na política paroquial, o saneamento é assunto sério e, infelizmente, “mal-tratado”. Segundo Paulo Rolemberg, o projeto “Saneamento: Desafio Santa Catarina” do Grupo ND apontou que dos 295 municípios, 207 não possuem rede de coleta de esgoto. Dos 20 melhores municípios no Ranking do Instituto Trata Brasil de Saneamento de 2024 nenhum deles está em Santa Catarina.
Esse cenário de desprezo pelo saneamento é histórico e fruto de um abandono sistemático. Não por outra razão, o Marco Legal do Saneamento veio para mudar o modelo nacional excessivamente fundado na concentração do saneamento em empresas estatais e abrir a exploração dos serviços de água e esgoto para a iniciativa privada de onde se esperava viessem os recursos e tecnologia para a melhoria do sistema.
O Marco Legal do Saneamento, assim, introduziu metas de universalização desses serviços a serem atingidas por esse novo paradigma, fixando “o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033”. O único número que foi compreendido pelos prefeitos parece ter sido o perfeito 33. Esqueceram-se da verificação anual e da meta intermediária de 3 anos, a vencer já em 2025 (Lei n. 14.026/2020).
Os Prefeitos também estão se esquecendo que essas metas serão apreciadas pelos órgãos de controle. O descumprimento do Marco Legal do Saneamento e de suas metas intermediárias levará à responsabilidade civil, administrativa e eleitoral dos ordenadores primários. Rondam os futuros candidatos as ações de improbidade a serem propostas e as condenações por contas rejeitadas com irregularidade insanável, ambos a potencialmente chamar as duras penas da Lei da Ficha Limpa – LFL, como já ocorre com as hipóteses de inelegibilidades da: 1. não aplicação do mínimo constitucional em educação; 2. não recolhimento das contribuições previdenciárias; 3. reiterada falta de pagamento dos precatórios (art. 1º, alínea g, da LFL).
O Tribunal de Contas está alerta e não apenas fez alentado levantamento (LEV 23/80085336), que trata da prestação do serviço público de esgotamento sanitário e os seus impactos socioeconômicos nos municípios catarinenses, sob a relatoria do Conselheiro José Nei Ascari, mas constatou “a ausência do sistema público centralizado de esgotamento sanitário na maioria das cidades catarinenses: 153 municípios, ou seja 52%, não possuem o sistema público”.
A importância do tema e suas consequências como a responsabilidade dos prefeitos municipais também está sob escrutínio do Ministério Público, por meio do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente.
Em Florianópolis, por exemplo, tramitam, desde 2024, dois procedimentos – um para apurar a regularidade do sistema e outro para acompanhar o andamento da política pública voltada à universalização de acesso ao serviço público de esgotamento sanitário.
Rezemos que a merde volte arepresentar apenas uma evocação do sucesso teatral e não a definição do saneamento do Estado…
Marcelo Peregrino Ferreira é advogado, Doutor em Direito (UFSC)