Maurício dos Santos escreve artigo em que analisa as semelhanças entre as eleições nos EUA e no Brasil, destacando o impacto das fake news e das redes sociais na manipulação de eleitores e na erosão da confiança pública, especialmente entre os mais vulneráveis.
Vitória das “Fake-News” mais uma vez! Esse é o resultado, simbólico e real,. de mais um ano eleitoral no Brasil e também nos Estados Unidos. A era da IA-Inteligência Artificial e das mídias digitais não cumpriram a promessa de inovar e democratizar as campanhas, mas sim, ampliaram as redes da desinformação.
“As massas têm sede por ilusão e não vivem sem elas” refletiu o psicanalista Sigmundo Freud no lendário e necessário livro “Psicologia das Massas e análises do Eu”. Publicada em 1921, a obra diz muito sobre a estratégia política atual. Segundo Freud, as massas se constituem através de um tipo de identificação específico, na qual os sujeitos tomam um mesmo objeto como ideal do eu e, em consequência, estabelece-se entre eles uma recíproca identificação.
Apesar da dedicação de marketeiros criativos e equipes de comunicação cada vez mais jovens e antenadas, a disseminação de mentiras colocou à prova a própria noção de verdade e revela o mais grave: perda da confiança inclusive nas redes sociais. Daqui a pouco vamos ouvir o mesmo que nós, estudantes de Marketing e Mídias, ouvíamos no início da faculdade: “essa mídia vai acabar”. O que acabou foi o senso de humanidade, pois nesta tecnologia ainda não existe o menor dos limites. E quanto se tenta alguma iniciativa consciente e coerente de oferecer um mínimo grau de justiça, há uma torcida maquiavélica pronta para “cassar a justiça”, com o pretexto de “combater o sistema”.
Quando é que iríamos imaginar, em um veículo de comunicação sério, o que a campanha do coach Pablo Marçal aplicou no deputado federal Guilherme Boulos às vésperas do primeiro turno? Um laudo falso, envolvendo até um profissional já falecido, foi estampado. Ali, o “tiro criminoso” foi no próprio criador, que viu a vaga no segundo turno ficar distante. Mas o que aconteceu sobre este fato? Como se fosse pouco, ainda tivemos o Governador do maior Estado da Federação ao lado do prefeito que ele apoiava, acusando sem provas e em rede nacional, o opositor Boulos de receber apoio do PCC. E o que a mesma Justiça fez? O silêncio evoca o peso do poder chamado São Paulo.
Fatos como estes, somados às campanhas grosseiras e maldosas ocorridas também no Rio Grande do Sul, vitimando a deputada federal Maria do Rosário, e repetindo a alta dose de desinformação que a campanha do prefeito de Porto Alegre Sebastião Mello já havia difundido em 2020, e mais as cenas inomináveis vistas no pleito de Curitiba, com Cristina Graeml contra Eduardo Pimentel, mostram que a confiança e o bom senso foram minados com novas crenças e valores que contestam aquilo que tínhamos de mais conservador, comprovado e estabelecido em eleições anteriores: pesquisa científica e debate democrático!
Há quase um século, no Brasil e nos Estados Unidos (países analisados por este artigo), políticos autoritários e com traço ultra-populista (algo a ser muito analisado e tratado na prática não apenas no campo do Direito, mas sim, no da Psiquiatria, Neurologia e Psicanálise), se notabilizam por ataques contra a mídia tradicional e os sistemas democráticos e de controle.
A verdade é que este grupo, dotado de um pensamento totalitário e baseado em ideias bastante antigas, busca o tempo todo introduzir na população a ideia de ser “contra o sistema” para construir um novo sistema alternativo e sem regulação. E nada mais apropriado do que mergulhar aqui nas redes sociais, um “mundo livre e sem regras” para disseminar mais facilmente suas narrativas.
As eleições, articuladas com parte das Igrejas neopentecostais (usando a fé popular, o cristianismo e o nome de Deus, indevidamente!), são nada mais do que o palco mais fácil e fértil para aumentar a visibilidade deste projeto universal de ganhar mentes e corpos. As fake news são uma prova em negativo do que algum crédito o jornalismo sério ainda merece na sociedade.
Somada à evolução dos algoritmos de inteligência artificial, a desinformação foi profissionalizada com a automação. Desde a radicalização de opiniões por meio da promoção de “bolhas” ou “câmaras de eco” até a criação de agências especializadas, com equipes e estruturas milionárias, para produção automatizada de fake news em tempo real, contaminando também Google, Youtube e principalmente o Whatsapp.
A entrada de Kamala Harris, uma advogada e primeira procuradora-geral negra da Califórnia, como candidata a presidência contra Donald Trump, foi justamente uma resposta ao comportamento escolhido pelo ex-presidente que negligencia a democracia nos EUA. Kamala é vista como “técnica” e mudou o cenário eleitoral desde sua chegada. Em 2020, foi escolhida como vice-presidente de Joe Biden, candidato democrata.
Os debates deixaram claro: Trump não mudou nem aprender com o tempo a ser mais humano, apenas moldou ainda mais o estilo provocativo e, mascaradamente, mostrado como crítico. Kamala já disputaria a reeleição como vice-presidente dos Estados Unidos, mas a renúncia de Joe Biden à sua candidatura fez com que ela fosse escolhida pelo Partido Democrata como a candidata do partido à eleição presidencial. Sua candidatura deu força aos democratas e se transformou na “novidade”. O marketing digital de sua campanha é visto no mundo todo como um exemplo jovem e leve de se comunicar um perfil visto como “sério”.
É sintomático que, para se passar por verdade ou atrair mais adeptos, as fake news imitaram o jornalismo. A intenção é sempre confundir o eleitor. Os mais prejudicados são os mais maduros e idosos. Considerada a “terceira idade”, estes eleitores têm sua saúde mental gravemente abalada pelas mentiras que recebem nos aparelhos celulares. Quem paga a conta de uma geração perdida para a mentira e alimentada pelo ódio?
Não, isso não combina com a Comunicação Social que estudamos, sonhamos e ajudamos a construir um dia. Isso é o contrário da Política Pública. É preciso, urgentemente, ensinar na Educação Pública a importância da razão e da cidadania na internet, e compartilhar, por exemplo, como um adolescente e jovem pode e deve checar uma informação. Como profetizou o antropólogo e escritor Darcy Ribeiro em 1995: “Ou dominamos o saber moderno, ou nós vamos ser recolonizados”.
Maurício dos Santos, jornalista, pós-graduado em Marketing e Mestre em Políticas Públicas