Elson Pereira escreve artigo sobre a desigualdade nos investimentos urbanos no Brasil, destacando como áreas ricas, como em Florianópolis, recebem mais recursos em infraestrutura enquanto bairros populares são negligenciados, conceito que o autor chama de “investimento urbano regressivo”, comparando-o a impostos regressivos que penalizam os mais pobres, e propõe que uma distribuição mais equitativa.
Ao observarmos as cidades brasileiras, torna-se evidente a diferença na qualidade dos espaços urbanos entre os diversos bairros. Nota-se uma discrepância marcante nas infraestruturas que servem os bairros mais valorizados e os populares, uma disparidade que traduz, no espaço, o impacto de investimentos desiguais e seletivos no território, frutos de escolhas políticas. Quanto mais rico o bairro e mais consolidada sua infraestrutura, mais investimentos públicos ele tende a receber.
Em Florianópolis, esse fenômeno não é diferente. O Largo da Alfândega, área voltada ao turismo, recebeu recentemente um novo deck logo após uma grande reforma. Já a Beira-Mar Norte contou com um aporte de aproximadamente 20 milhões de reais para tratar águas pluviais contaminadas por ligações clandestinas, em uma área que já dispõe de coleta e tratamento de esgoto. Contraditoriamente, cerca de 50% do território ainda carece desse serviço básico. Poderíamos elencar muitos outros exemplos semelhantes.
Refletindo sobre essa realidade, estabeleci um paralelo com o sistema tributário e conceituei o que chamo de “investimento urbano regressivo”.
Um imposto regressivo é um tipo de tributação onde a carga tributária diminui proporcionalmente à medida que a renda do contribuinte aumenta. Em outras palavras, ele impacta mais pesadamente aqueles com menor renda em comparação com aqueles com maior renda. Nessa estrutura, o imposto representa uma porcentagem maior da renda dos mais pobres do que dos mais ricos. Os impostos sobre consumo, como o imposto sobre produtos e serviços (ICMS) no Brasil, são exemplos comuns de impostos regressivos, pois todos os consumidores pagam a mesma alíquota, independentemente de sua capacidade financeira. A regressividade do imposto pode agravar a desigualdade, já que pessoas de baixa renda acabam comprometendo uma parcela maior do seu orçamento com esses tributos.
O investimento urbano regressivo manifesta-se quando o poder público destina recursos para áreas privilegiadas da cidade, enquanto, dada a limitação orçamentária, as áreas mais pobres acabam negligenciadas. Esse processo resulta em uma superestruturação de certas partes da cidade em detrimento de outras. Assim, paradoxalmente, os bairros que mais necessitam de investimentos são os que menos recebem, perpetuando a regressividade na distribuição dos recursos públicos.
Para promover uma maior equidade urbana, seria necessário reverter essa logica da regressividade e estabelecer um indicador mínimo de infraestrutura urbana, assegurando que todo o território atinja esse patamar antes de alocar novos recursos para áreas já consolidadas. Esse é o ideal — ou a utopia a ser buscada— da equidade territorial. Só assim poderemos falar em cidades inteligentes.
Elson Pereira é urbanista e concorreu a prefeito de Florianópolis em 2012, 2016 e 2020 pelo PSOL.