A Coluna Literária destaca a justa premiação da escritora Hang Kan no Prêmio Nobel de Literatura e relembra outros momentos na história do prêmio promovido pela Academia Sueca. Carlos Stegemann também destaca o lançamento de uma obra que questiona os alimentos ultraprocessados, mostra o que está lendo a escritora Lélia Pereira Nunes e faz uma pergunta a Vinicius De Luca.
Uma vencedora acima das muitas polêmicas da premiação
Premiar alguém é sempre um risco – e a última edição do Bola de Ouro, que desprezou o momento mágico do atacante brasileiro Vini Junior, em favor do volante espanhol Rodri – é prova inequívoca desse perigo. No caso do Nobel de Literatura, promovido pela Academia Sueca, a discussão ganha proporções muitíssimo menores, mas por vezes igualmente polêmicas.
A edição desse ano, anunciada em outubro último, não oferece espaço para questionamentos, iluminando a sul-coreana Han Kang, que, longe de ser uma celebridade literária, é uma consagrada romancista, mundialmente reconhecida. Recomendo ‘A vegetariana’ (Todavia, 2007), com um texto perturbador e uma narrativa incomum. Entre os críticos literários, é consenso que ela é parte de uma fértil e cada vez mais promissora geração literária do país asiático.
Mais sobre o Nobel de Literatura
- Bob Dylan, em 2016, foi o mais polêmico nome das últimas décadas. Suas letras, é verdade, conferiram inteligência ao rock’n roll, mas como escritor…
- Em 1964, o filósofo e escritor francês Jean Paul Sartre recusou o Nobel de Literatura, pelo peso que o prêmio adicionaria a sua carreira.
- Os autores brasileiros “estão na fila” há 122 anos…
- Em 2014, austríaco Peter Handke xingou o Nobel de Literatura e cinco anos depois o recebeu, sem ressalvas. Polêmico também por defender o genocida sérvio Slobodan Milosevic.
- A Academia já cancelou a concessão do Prêmio por oito vezes: 1915, 1919, 1925, 1926, 1927, 1936, 1949 e 2018 – nesse último ano por escândalos de abusos sexuais envolvendo uma das integrantes permanentes da Academia e seu marido.
- Só em 1945 chegou a vez de um sul-americano: a poetisa chilena Gabriela Mistral. Depois Neruda (1971), Garcia Márquez (1982) e Vargas Llosa (2010). E só…
- Em 1958, o romancista e poeta Boris Pasternak foi laureado com o prêmio, mas o governo soviético o obrigou a recusá-lo.
- Apenas 18 mulheres receberam o Nobel de Literatura, em 117 edições.
- Meus vencedores preferidos: Thomas Mann (1929); Pirandello (1934); Faulkner (1949); Hemingway (1954); John Steinbeck (1962); e Nadine Gordimer (1991).
- O vencedor recebe 11 milhões de coroas suecas (o equivalente a R$ 5,5 milhões de reais). Fama e fortuna justificam tantas controvérsias.
O que Lélia Pereira Nunes está lendo?
Li, de um fôlego só, as 220 páginas de “A Escrava Açoriana”, de Pedro Almeida Maia, (Editora Cultura, 2022). Espantoso e impactante do princípio ao fim! Um enredo traçado em minúcias, fruto de cuidadosa investigação histórica do fenômeno migratório dos anos oitocentos até as primeiras décadas do século XX. Uma urdidura fantástica da vida, tecida fio a fio, tal qual a renda de bilro. No emaranhado de fios está Rosário, a protagonista, a adolescente, a mulher destemida, em busca do seu universo mítico, longe das amarras sufocantes de sua Ilha de São Miguel (Açores), para além do horizonte líquido do Atlântico onde habita o sonho em terras da promissão – o Brasil.
Tem por cenários Ponta Delgada (Açores), Rio de Janeiro e a então Vila de Nossa Senhora do Desterro, na Ilha de Santa Catarina e por temática a emigração no último quartel do século XIX. Pedro Maia, sob a roupagem da ficção e com uma prosa elegante, madura, consistente, escorreita, cativante e de grande fluência e sensibilidade, constrói o seu romance fundamentado em fatos ocorridos numa época marcada pela escravatura branca, o comércio sórdido de seres humanos, o tráfico de homens e mulheres açorianos que, ludibriados por promessas de trabalho e prosperidade no Brasil, foram espoliados, escravizados e prostituídos na terra que deveria ser de acolhimento. Um romance de costumes, de estados d’alma, de identidade. Uma história iniciada em 1837 e que seguiu até 1925, passada em lugares e épocas distintas, sendo narrada pela filha da Rosário, A Escrava Açoriana. Contudo, esta é uma história sem fim…que continua se reproduzindo e ainda se faz presente na margem de cá e por outras latitudes e hemisférios com novos emigrantes e sob novas fantasias.
Uma pergunta a Vinicius De Luca
O que Florianópolis precisa para ter uma Feira do Livro no padrão de qualidade e no tamanho de nossa dimensão cultural?
Deve começar pela estrutura física adequada, aconchegante e agradável e uma forte divulgação nas instituições de ensino de todos os níveis. Em paralelo, e/ou antecedendo a Feira, precisamos promover debates e seminários em outros espaços públicos, como escolas, universidades e entidades ligadas ao livro e à leitura. A viabilidade é plenamente possível por meio de leis de incentivo e apoio direto de órgãos públicos e outras instituições.
Lançamento
Nos últimos anos, os livros sobre gastronomia ‘raiz’ e alimentação saudável tomaram conta das prateleiras das livrarias e das ofertas de e-commerce, mas “Gente ultraprocessada: por que comemos coisas que não são comida, e por que não conseguimos parar de comê-las” do britânico Chris van Tulleken, recém-lançado pela Editora Elefante, liquefaz tudo o que lemos até aqui.
Infectologista no Hospital de Doenças Tropicais em Londres e professor associado da University College London (UCL), o autor fala com a autoridade de quem encarou um intrincado desafio: por um mês, privou-se de consumir os ultraprocessados e no mês seguinte 80% de sua dieta calórica foi baseada nesses itens, sendo minuciosamente examinado entre as duas experiências.
“Muito disso (que comemos) são restos da indústria do bioetanol e do milho. Comemos muitas coisas que eram apenas alimento industrial para animais, que são reaproveitadas para uso humano. Isso simplesmente não atende à definição de comida. Não é projetado para nos nutrir, mas para tirar nosso dinheiro e nos fazer comer o máximo possível”, explicou – em depoimento ao jornalista Leon Ferrari, do Estadão.
Ferrari, eu destaco, é graduado em jornalismo pela UFSC e laureado com a menção honrosa do 40º Prêmio Direitos Humanos em Jornalismo.
O livro de Tulleken é um míssil nos interesses financeiros das grandes corporações de alimentos e renova o desafio contemporâneo em nos desgarrarmos dos vícios alimentares. Resta saber quando ou o quanto conseguiremos…
Arte em destaque: Luciano Martins.
Críticas & sugestões? carlos.schreiber@gmail.com