Operação Presságio: “Caiu a nota fiscal do autista” – entenda o suposto esquema de corrupção em Florianópolis

Operação Presságio mostra mais desdobramentos

Era pouco mais de 6 horas da manhã do dia 19 de janeiro de 2024 quando as primeiras buscas e apreensões da Operação Presságio chocaram a cidade de Florianópolis. Com nomes como Ed Pereira, ex-secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis, atualmente preso preventivamente, a operação da Polícia Civil de Santa Catarina virou assunto em todas as rodas de conversa política da Capital.

Agora, em sua segunda fase, o inquérito final da operação demonstra nuances inéditas sobre como, supostamente, atuavam os membros do esquema em Florianópolis.

Assinado pela delegada Patrícia Cristina Fronza Vieira, chefe da Delegacia de Investigação de Crimes Ambientais e Crimes contra as Relações de Consumo da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic), a investigação indiciou 18 pessoas. São mais de 500 páginas de investigação.

O processo possui nada menos que 41 páginas apenas reproduzindo notas fiscais falsas emitidas pelo grupo investigado. Para entender o esquema é preciso relembrar o nome dos quatro presos no dia 29 de maio. Ed Pereira, Lucas da Rosa Fagundes, Cleber Ferreira e Renê Raul Justino.

  • Ed Pereira é ex-secretário de Turismo, Cultura e Esporte;
  • Lucas da Rosa Fagundes ex-gerente de Projetos da Fundação Municipal de Esportes, vinculada a Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte;
  • Cleber Ferreira é apontado como operador financeiro do esquema;
  • Renê Raul Justino é  ex-diretor de projetos da Fundação Franklin Cascaes.

A “nota fiscal do autista”

Dentro da investigação sobre como atuava o grupo, a Polícia Civil interceptou uma conversa que impressiona pela falta de pudor ao falar das entidades supostamente utilizadas para desviar recursos públicos. Nela, Cleber Ferreira conversa com Renê Raul Justino e diz:

Caiu a NF (nota fiscal) do autista.

A frase está na conversa pelo WhatsApp com a data do dia 2 de maio de 2023. Nela, Cleber encaminha uma mensagem para Renê, afirmando que está encaminhando a nota fiscal e DAM (documento para pagar taxas de licença ambiental), referente a suposta prestação de serviço para o projeto Associação de Pais e Amigos dos Autistas (AMA).

Alguns dias após, Cleber diz para Renê que o valor da nota havia sido depositado em sua conta e questiona para quem mandar o valor. Na sequência, Renê responde, por meio de áudio, orientando
o mesmo a sacar os valores e entregar em mãos.

Conversa entre Cleber e Renê Raul Justino interceptada pela presságio

No áudio, transcrito pela Polícia, Renê responde:

Cara consegue sacar essa p**ra para mim? Tu consegue sacar para mim por favor?“

No dia seguinte então Cleber afirma que já estava em posse do valor.

Cleber Ferreira explica que o dinheiro já está em suas mãos

Ainda sobre o projeto AMA, no dia 31 de maio Cleber segue encaminhando notas fiscais, que segundo a investigação são falsas. Agora, a nota era referente ao mês de abril. Segundo a Polícia, “no decorrer do diálogo fica nítido que parte do valor é devolvido para Renê, desta vez por meio de transferência bancária”.

Algum tempo depois, em 5 de julho, Cleber questiona Renê se deve emitir uma nota referente ao mês de julho.

Conversa entre Renê e Cleber

Em seguida, Cleber manda um áudio que foi transcrito pela Polícia que sugere falsificação de nota com uso de programa de edição de imagens da Adobe. Seria uma forma de escapar de pagar novamente taxas municipais sobre os valores desviados:

Meu irmão olha só eu fiz com meu pessoal do pró cidadão a nota que eu sempre faço ali do pró-autismo, porém, eles esqueceram de colocar a p***a da descrição, que vai ali o mês, o termo e tal. Eu acabei mandando para a mulher que me chamou aqui e tal, a que trabalha ai no pró-autismo. Aí ela mandou que faltava a descrição da nota! Te pergunto, incluo com adobe la que é fácil ou, porque se eu for substituir cara tem que paga outra DAM de novo? Então me dá uma luz ai vê o que a gente faz!

Pelo menos daquela vez, a falsificação “com adobe” não chegou a ser realizada. Renê sugeriu que fosse feita outra nota e diz: “desconta da grana que vai me dar”, deixando claro que era beneficiário do suposto esquema.

Conversa interceptada na Operação Presságio

Ed Pereira e Lucas Fagundes

Os outros personagens da história são os já citados Ed Pereira e Lucas da Rosa Fagundes.

Segundo a Polícia Civil, as investigações mostraram de forma clara que Cleber José Ferreira criou uma empresa individual e emitiu diversas notas fiscais fraudulentas de prestação de serviços em nome de Lucas da Rosa Fagundes. Depois, efetuava a devolução dos valores, ou de parte deles, para Ed Pereira por intermédio de Renê Raul Justino.

Além disso, Lucas trabalhava como servidor terceirizado no setor de prestação de contas da Secretaria, que celebra contratos com as associações.

“Durante as investigações, foram localizadas mais de 50 notas fiscais de prestação de serviços em nome de Lucas da Rosa Fagundes, destinadas a diversas entidades que firmaram termos de parceria com a Secretaria investigada, totalizando mais de R$ 129.000,00”, escreve a Polícia em seu relatório.

Questionadas, a defesa de Cleber Ferreira e Renê Raul Justino não quiseram se posicionar sobre o assunto. O upiara.net segue aberto para novos esclarecimentos por parte dos investigados.

Conclusão do inquérito da Operação Presságio

Na última sexta-feira, a polícia encaminhou ao Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) a investigação que indicia 18 pessoas. Entre elas, Ed Pereira e quatro presidentes de organizações da sociedade civil que mantinham contratos com a Prefeitura de Florianópolis no período investigado.

Segundo a investigação policial, “o desvio de dinheiro público ocorreu repetidamente por pelo menos dois anos”. A Polícia Civil reitera ainda na investigação que as notas fiscais não foram localizadas no sistema Bússola. Essa é a plataforma utilizada pela Prefeitura prestar contas sobre os repasses para projetos sociais, por recomendação do Tribunal de Contas do Estado (TCE).

Prefeito diz que procedimentos foram revisados

Em entrevista ao jornalista Upiara Boschi na inauguração do MultiHospital, três dias depois das prisões, o prefeito Topázio Neto (PSD) garantiu que “fatos como este já não aconteceriam hoje”, inclusive as falhas no sistema Bússola:

Eu não tenho nenhum ponto para colocar com relação aos procedimentos que estão sendo feitos pela Justiça e pela Polícia. Da nossa parte, Prefeitura, já foram tomadas todas as providencias que eu poderia ter tomado, já no início do ano quando surgiram os primeiros fatos. Agora nós vamos revisar qualquer procedimento que surja e fatos novos levantados pela Polícia – declarou o prefeito.

O que diz a defesa dos investigados

Outros pontos descobertos pela Polícia Civil são mais fraudes em uma licitação de 2023 para a contratação de galpões de armazenagem para a “Cidade do Samba”. Identificaram corrupção passiva (quando alguém recebe vantagem indevida) e ativa (quando alguém oferece vantagem indevida) envolvendo três investigados.

A defesa de Ed Pereira também não quis se posicionar quando procurada pela reportagem. O upiara.net segue aberto para novos esclarecimentos por parte dos investigados.

A defesa de Lucas da Rosa Fagundes, que também foi indiciado, disse em nota ao portal ND Mais que está preparando documentação para incluir aos autos do processo que comprovará a efetiva inocência do acusado.

Cada nota expedida por sua empresa está calcada em uma prestação de serviço. Nesta semana juntará ao processo as provas de que os serviços contratados foram efetivamente prestados. Existem mais de 15 prestações de contas apresentados por Lucas à controladoria do município que comprovam a realização dos serviços – afirmou em nota a defesa.

Os advogados do investigado, Raul Eduardo Alves de Oliveira Pinto e Alceu de Oliveira Pinto Junior, ainda afirmaram que, ao contrário do que foi relatado pela investigação, Lucas não detinha vínculo com qualquer órgão público na data da prisão: “Lucas é MEI desde 2021, contrariando o afirmado pela investigação que indica ter aberto sua empresa em conluio com os outros investigados”.

E agora?

Agora, o MP-SC analisa o inquérito policial para verificar se há provas suficientes e se todos os procedimentos legais foram seguidos. Em seguida, o órgão decide se denuncia, se avaliar que há provas suficientes, ou se arquiva o processo, caso entenda que não há provas suficientes.

Depois, se o juiz concordar com a denúncia apresentada pelo MP-SC, ele a recebe e inicia a ação penal, transformando os investigados em réus. Caso contrário, o juiz pode rejeitar a denúncia.

Na próxima etapa, os réus são notificados oficialmente para apresentar sua defesa. É nesta parte que são produzidas as provas, ouvidas as testemunhas de acusação e defesa, realizados interrogatórios dos réus e coletadas outras provas que a Justiça julgar necessárias.

Em seguida acontece as “alegações finais”. Nelas, ambas as partes (acusação e defesa) apresentam as suas alegações finais, resumindo seus argumentos e provas conseguidas anteriormente.

Enfim o processo vai para sentença, onde o juiz analisa tudo o que foi produzido e profere a sentença que pode ser tanto a condenação quando a absolvição dos réus.

Caso haja condenação o juiz então determina a pena que deve ser cumprida. É aí que as partes podem recorrer da decisão ao tribunal superior, caso discordem da sentença.

Se houver condenação e esgotados todos os recursos, começa a execução da pena conforme determinado pelo juiz, como prisão e multa, por exemplo.


Ana Schoeller especial para o upiara.net.

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