Acafe e Ampesc debatem conceito de universidade privada em briga pelos bilhões do Faculdade Gratuita

Uma das principais, se não a maior, promessa de campanha de governador Jorginho Mello (PL), a compra da totalidade das vagas de ensino superior das universidades ligadas à Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe) para o programa Faculdade Gratuita deve aportar como projeto na Assembleia Legislativa ainda no primeiro semestre. A ideia tem custo estimado de R$ 2 bilhões por ano e já chamou atenção das faculdades privadas que não integram a rede de universidades comunitárias. Afiliadas da Associação de Mantenedoras Particulares de Educação Superior de Santa Catarina (Ampesc), elas querem participar do programa e temem que o privilégio à Acafe desequilibre a competição entre as universidades que atualmente têm em comum a cobrança de mensalidades dos alunos.

O debate deve evoluir com a chegada da proposta do governador ao parlamento estadual. Antes disso, a Ampesc já fez uma manifestação pública em que pede para ser incluída nas negociações da criação do Faculdade Gratuita. Nessa mesa, a Acafe tem lugar privilegiado: o secretário estadual de Educação, Aristides Cimadon, homem de confiança do governador, presidia a Acafe até dezembro, quando foi sucedido por Luciane Ceretta, reitora da Unesc, de Criciúma.

Embora tenha feito manifestações de que pretende, de alguma forma, também beneficiar as universidades privadas que não integram a Acafe, Jorginho Mello já deixou claro que as comunitárias estão no centro da promessa de campanha. Ainda antes de assumir o governo, em reunião aberta na Federação das Indústrias (Fiesc), o governador disse que, além beneficiar os estudantes, o Faculdade Gratuita é uma forma de proteger as universidades comunitárias da compra por grandes redes de ensino. Fez uma referência explícita, na época, à compra da Unisul pela Ânima como algo que não deveria se repetir. (Veja a resposta da Unisul à fala de Jorginho)

A fala de Jorginho aos industriais foi reverberada por Luciane Ceretta em entrevista ao no quadro Plenário, na Rádio Som Maior, na última segunda-feira.

– É uma temeridade permitir que aconteça o que aconteceu com a Unisul, que foi comprada por um grande grupo internacional, cuja métrica é a rentabilidade e não o retorno para o desenvolvimento do Estado. E eu não não estou questionando o objeto central da atividade econômica dessas instituições. O que eu questiono e defendo, e que o governador defende, é que essas instituições comunitárias de fato tenham sobrevida, fiquem muito fortes, continuem perenes e que o Estado invista recursos públicos naquilo que tem origem pública – defendeu a reitora.

Para a presidente da Acafe a participação exclusiva das universidades comunitárias no Faculdade Gratuita será resultado da “oferta inquestionável de atendimento gratuito à população”. Na conversa com Adelor Lessa, Maga Stopassoli e Upiara Boschi, a reitora afirmou que é um direito das instituições privadas buscarem oportunidades, mas argumentou que é “dever do Estado aplicar recursos públicos para aquilo que retorna ao Estado na forma de serviços”. Segundo ela, as universidades comunitárias reinvestem os próprios resultados para a sociedade, uma vez que “não têm dono e não geram lucro”.

– Avalio que todas as instituições privadas têm o direito de ofertar a educação na própria perspectiva; na ótica do lucro, da rentabilidade, de manter os grupos de acionistas bem remunerados. É o direito de todas elas, assim como é direito reivindicar aquilo que acham importante para sua sustentação. Mas, nossa defesa, e acredito que deve ser do cidadão catarinense, é de que os recursos públicos devem ser aplicados em instituições de origem pública, que há mais de 50 anos estão contribuindo com o Estado de Santa Catarina. Não é preterindo uma à outra. É oportunizar o recurso público para onde tem que ser aplicado.

Uma das formas de retorno à sociedade, segundo Luciane Ceretta, é a formação de docentes através cursos de licenciatura. Ela afirma que com o incentivo do Faculdade Gratuita, a ampliação da formação de professores fará com que os frutos respinguem também no ensino básico catarinense.

– Somos nós que formamos os professores desse Estado. Uma licenciatura não é rentável, no ponto de vista do lucro. Mas para nossas instituições são um investimento. O maior, talvez, que a gente tenha. Na medida que o projeto entra, passamos também a ofertar a formação continuada para a educação básica de Santa Catarina gratuitamente. É um projeto que visa o ensino superior, mas alimenta a educação básica e o ensino médio.

Conselheiro da Ampesc e diretor-geral da UCEFF, com atuação na região Oeste, Leandro Sorgatto discorda da presidente da Acafe. Ele afirma que ao chamar as universidades da rede concorrente de comunitárias cria-se a imprensa de que são instituições públicas, mas que elas são geridas sob as regras privadas.

– Nós achamos que essa justificativa da reitora, por mais que respeitemos, não faz sentido. Parece que a Acafe é publica pra receber o recurso e é privada para gastar o recurso. Dizem que é origem publica, por lei municipal, mas a gestão parece privada. Pois se fosse receber recursos, teria que ter concurso para contratar servidor, licitação para contratar obras. Fazemos o questionamento por isso. Respeitamos, mas queremos nosso espaço – finaliza, afirmando que as instituições comunitárias são isentas de impostos pagos pelas associadas à Ampesc, como PIS e ISS.

Sorgatto diz que a Ampesc prepara um ofício a ser enviado ao governador Jorginho Mello, assim como à secretaria da Educação e à Fazenda. Nele, há a sugestão de que o recurso vá ao “CPF do estudante, não ao CNPJ da instituição”. Ele diz ser favorável ao projeto, dadas chances iguais de competição entre os centros universitários.

– Acho que o governador tem boas intenções, mas ele foi enganado. Nosso foco é o CPF do aluno, não o CNPJ do contemplado. Se o estudante está perto da Ampesc, mesmo recebendo a bolsa, não compensa ir à outra cidade para uma instituição da Acafe. O sistema está equilibrado: a cada 10 alunos em Santa Catarina, três estudam no sistema Acafe. Se 20% dos nossos discentes forem para a Acafe, o sistema acaba.

A previsão do governo estadual é de que a proposta entre em vigor já no segundo semestre de 2023. Luciane Ceretta sublinha e afirma que as instituições já estão preparadas para aplicar as diretrizes já estabelecidas do projeto.

– O que fazemos agora é organizando nossas instituições para receber o projeto a partir do segundo semestre, que é a perspectiva que o governo do Estado apresenta. Estamos prontos para receber e organizar o processo de acordo com as premissas que forem apresentadas. Certamente terá um ajuste ou outro na Assembleia Legislativa, mas de modo geral já tem suas diretrizes bem organizadas.

Enquanto isso, a Ampesc ainda espera a promessa de um lugar na mesa.

– Jorginho sinalizou que iríamos participar, mas até agora nada. Estamos preocupados com a manutenção do segmento, que tem 150 mil alunos 30 mil funcionários. Temos que estar balanceados para o ecossistema seja contemplado em todo o estado de Santa Catarina. O primeiro ponto que queremos informar é que não somos contra o projeto. Pelo contrário, queremos apenas discutir o equilíbrio com os sistemas de ensino – diz Leandro Sorgatto.


Sobre a foto em destaque:

Luciane Ceretta, presidente da Acafe, e Leandro Sorgatto, conselheiro da Ampesc. Fotos: Divulgação.

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