Quatro vezes deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa, duas vezes deputado federal, senador da República, Jorginho Mello (PL) tem um currículo invejável e uma inegável experiência na política. No entanto, prestes a completar os primeiros seis meses como governador de Santa Catarina, vai mostrando que ainda tem dificuldades para transplantar essa larga experiência para o papel de chefe do Poder Executivo estadual. Parte disso parece ser uma questão de estilo.
Sem uma oposição política ou partidária minimamente organizada, o governo Jorginho por enquanto tropeça apenas nas próprias palavras ou promessas e em dificuldades na área em que menos se esperava: a articulação política. Dois exemplos claros estão justamente nas duas principais promessas de campanha do governador, ambas ratificadas no começo da gestão. Zerar em seis meses a fila de 105 mil cirurgias eletivas herdada do governo de Carlos Moisés (Republicanos) e a compra das vagas das universidades do sistema Acafe já no segundo semestre do primeiro ano de mandato. Nos dois casos, o estilo “faço e aconteço” – ou o “vâmo que vâmo”, como o governador gosta de falar – criaram problemas para o próprio governo administrar maiores do que qualquer opositor até agora.
A promessa de zerar as cirurgias atrasadas do governo Moisés, que eu tenho chamado aqui de “Plano Carmen”, é um exemplo eloquente de ação importante e de um esforço fora do comum que pode ficar diminuído pela expectativa que criou. Quando eu dou o nome da secretária Carmen Zanotto (Cidadania) para a proposta é justamente porque só levamos a sério essa ideia por causa da credibilidade da responsável por sua execução – um dos maiores acertos no bom secretariado montado por Jorginho. E é justamente essa credibilidade que pode ser abalada por uma proposta inexequível. Na manhã desta segunda-feira, em entrevista no Plenário, da Rádio Som Maior, Carmen afirmou que 42% da meta proposta foi alcançada – faltando menos de um mês e meio para conclusão do prazo proposto, iniciado em 6 de fevereiro.
Então, por mais que o volume de cirurgias tenha ampliado, que o programa tenha zerado a fila em áreas e regiões especificas, que Santa Catarina seja o Estado que mais operou no país no período, o Plano Carmen pode acabar com a pecha de promessa não cumprida. De quem será a culpa? De Carmen ou do “vâmo que vâmo?
O Universidade Gratuita é uma das mais ousadas promessas feitas em Santa Catarina por um candidato que venceu uma eleição. A ideia de comprar todas as 75 mil vagas das universidades comunitárias catarinenses para ofertar gratuitamente aos estudantes do Estado, com validade já no segundo semestre de 2023, despertou muita curiosidade na sociedade e muita expectativa nos possíveis beneficiários. Nesse caso, a realidade orçamentária se impôs e Jorginho precisou ser mais tímido que o discurso de campanha. Das planilhas do secretário Cleverson Siewert, da Fazenda, saiu a solução da integralização escalonada da promessa, com 40% das vagas agora e o 100% sendo alcançado apenas em 2026, último ano do primeiro mandato. Assim, adia-se um gasto anual estimado em R$ 1,2 bilhão por ano apenas com as universidades ligadas à Acafe.
O projeto demorou para chegar à Assembleia Legislativa e, quando chegou, demorou a começar a tramitação. O governador subestimou dois dados na equação: a pressão das universidades privadas com fins lucrativos, ligadas à Ampesc, e o papel do parlamento em um projeto desta grandiosidade. As privadas não aceitaram caladas o aumento de recursos para bolsas de estudo incluídos na proposta como compensação à injeção bilionária de recursos na Acafe – o equivalente a 20% da proposta. Foi nessa brecha que a Alesc ocupou o espaço de articulação de deveria ser antecipado pelo governo Jorginho, buscando uma solução intermediária – que deve ser ampliar essa participação para 25% ou 30%.
É aquela velha história: se o governo queria 20%, deveria ter proposto 10%. É brincadeira, claro. Mas um projeto desse tamanho e impacto dificilmente passa pelo parlamento incólume. Jorginho, que habitou a Alesc por 16 anos, deve saber disso, mas achou que poderia resolver todas as questões dentro do governo e entregar o prato feito. Vâmo que vâmo.
No início de seu primeiro mandato como governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD) era obcecado por uma frase do ex-governador Vilson Kleinübing (PFL): “o primeiro desafio é sempre aprender a governar o governo”. Jorginho não morre de amores pelo primeiro, mas gosta do segundo. Os primeiros seis meses de governo estão se fechando sem maiores dificuldades. O governo existe, tem seu estilo, está bem escalado em posições chave. Tem alguns desafios na articulação, que pode melhorar no caminho. Mas vai precisar também que o governador tenha mais cuidado com as expectativas que cria. No Executivo, o peso de tudo que é dito multiplica por enésimas vezes. O desafio é Jorginho aprender a governar o “vâmo que vâmo”.
Sobre a foto em destaque:
Jorginho Mello no roteiro de encontros com prefeitos “Santa Catarina levada a sério” em Joaçada. Foto: Eduardo Valente, Secom.