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8 de setembro de 2024

Quem não chora não mama (e a indústria brasileira chora pelos mesmos motivos há 30 anos)

No começo da década de 1970, o então todo poderoso ministro da Fazenda, Delfim Netto, exprimia, numa frase, o que deveria ser a política industrial do Brasil naqueles anos sob comando dos militares: “exportar é o que importa”. Equivalia, na área econômica, ao “Brasil, ame-o ou deixe-o” no polo político. Ambas tinham uma característica em comum: exigiam alinhamento porque os descontentes seriam esmagados. De uma forma ou outra.

Sim. O Brasil estava dando os primeiros passos, engatinhando no complexo tatame do mundo dos negócios internacionais.

Era uma época em que nossos produtos não tinham certificações de qualidade, nem havia o intrincado modelo de negociação vivenciado atualmente. Vigorava a improvisação, próxima do sistema “tentativa e erro”.

Sim, o governo enxergou que a indústria precisava sair do casulo e, mesmo engatinhando, tinha que aprender a vender para fora do país como forma de ampliar negócios e se enquadrar no mundo capitalista mais moderno.

A roda do tempo girou, algumas poucas empresas brasileiras avançaram no difícil trabalho de se inserirem globalmente. Muitas desistiram. Outras morreram no caminho.

Hoje o mundo transaciona trilhões de dólares. E o Brasil participa com 2% de todos os negócios feitos em todos os continentes. Apenas.

Sempre nos lembramos de poucas dúzias de empresas nacionais que conquistaram o mundo. E nos orgulhamos delas como nos orgulhamos, saudosamente, das nossas seleções de futebol dos anos 70 e 90 do século passado.

A analogia pode parecer inadequada. No entanto, no esporte ou nos negócios somente os melhores vencem. E apenas os extraordinários, entre os melhores, são reconhecidos pelos adversários.

O Brasil, com toda a sua dimensão continental e diversidade climática e de costumes, permanece reclamando. As vezes reclamamos dos adversários mais preparados. Outras vezes não gostamos dos métodos que eles usam para competir. E até mesmo xingamos o árbitro de um jogo que tem regras claras.

Agora, nesta semana, lideranças industriais brasileiras mostram preocupação com o aumento das importações de produtos industrializados.

Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a FIESP, indica que o percentual dos itens industrializados vindos do exterior chegou a 23,4% do total do consumo total dos industrializados. No mesmo estudo, afirma-se que há dez anos o percentual era de 15,4 %.

Já a Confederação Nacional da Indústria, a poderosa CNI, diz que os industrializados importados já representavam mais de um quarto (25,9%) no ano de 2022 – o maior índice dos últimos vinte anos!

O que estes números mostram? Mostram haver problemas muito antigos que ainda não foram superados. As queixas dos empresários praticamente são as mesmas há mais de três décadas.

Do que eles reclamam atualmente:

  1. Que há distorções do sistema tributário;
  2. Que o custo do capital para financiamento e alto;
  3. Que há deficiência na infraestrutura.


Eles estão certos. Mas, atenção: estes pontos anotados pela indústria são exatamente os mesmos de 30 anos atrás.

Então, a conclusão óbvia está aqui, bem na nossa frente: falhamos como sociedade, e como sociedade não soubemos – governos e lideranças – conduzir para o futuro. Por isso reclamamos das mesmas coisas do velho passado.

Um pequeno esforço de memória nos leva aos anos da década de 1990. Foi quando Fernando Collor cunhou a expressão “nossos carros são carroças” e abriu o mercado de automóveis para fábricas estrangeiras produzirem aqui dentro. A ousadia de romper com o status quo – entre outros elementos – custou-lhe o cargo de presidente da República.

Collor, um empresário viajado e sem papas na língua, identificava deficiências e queria que a população ao menos conhecesse o que se produzia lá fora. A gritaria foi enorme, mas a virada de chave precisou acontecer.

Claro que a concorrência asiática, principalmente a chinesa, incomoda e tira a competitividade brasileira. Não era assim nos anos da década de 1980, quando riamos das falsificações, das cópias e dos produtos xinguilingue.

Os chineses investiram em educação e tecnologia. Aprenderam com os melhores. E colocaram em prática sua reconhecida capacidade de trabalho e extrema dedicação.

O resultado? Dominam, hoje, boa parte dos negócios em variadas regiões do mundo. Abocanharam a América Latina. Produzem e vendem a preços mais baratos. E os brasileiros se queixam.

O cenário incomoda tanto a indústria nacional, que ela pede socorro e proteção. Faz sentido. Ninguém gosta de perder fatias de mercado. Daí, na defesa dos seus interesses, a indústria brasileira já protocolou 60 solicitações de medidas protetivas na Secretaria de Comércio Exterior, a Secex. Os pedidos variam de taxação de impostos a compensações para enfrentar os importados.

Agora se fala, mais uma vez, em reindustrialização. Agora sob outro nome: neoindustrialização. Se antes bastava máquinas e trabalhadores, agora são necessários cérebros, inovação, tecnologia de ponta, produtividade e sustentabilidade. Afinal, chegamos na era da inteligência artificial.

Assim segue o mundo dos negócios. Um mundo dual, plural. Vejamos. Aqui se reclama do aumento das importações de mercadorias industrializadas. Na França, sindicatos e produtores rurais marcham, nas ruas, em protesto e contra os produtos agrícolas brasileiros, lá mais baratos do que os deles.

Exatamente assim: todos odeiam quando os outros nos tomam fatia do bolo que mais gostamos.



Foto – Exportar ainda é o que importa, mas os desafios também continuam os mesmos. Na imagem, o Porto de Navegantes. Foto: Eduardo Valente, Secom-SC.

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