Às vezes a base de apoio parlamentar de um governador eleito já vem pronta da urna, geralmente resultado de amplas coligações bem sucedidas. Foi assim, por exemplo, quando Luiz Henrique da Silveira (PMDB) se reelegeu em 2006 na companhia de 27 deputados estaduais eleitos em sua robusta composição eleitoral. Também foi o caso de Raimundo Colombo (ainda no Democratas), em 2010, quando partiu de 25 parlamentares eleitos em sua aliança ou de Esperidião Amin (o Progressistas se chamava PPB) em 1998, vitorioso com 22 deputados de sua coligação. Não é por acaso, esse trio de governadores venceu pilotando grandes coligações.
Não é o caso de Jorginho Mello (PL). Sozinho com o PL e aproveitando ao máximo a segunda Onda Jair Bolsonaro em Santa Catarina, ele chegou ao governo do Estado com uma bancada de 11 deputados estaduais eleitos pelo próprio partido. Um feito, mas muito longe da maioria em um parlamento com 40 assentos, onde o número mágico da governabilidade é 27 aliados. Com esse número de integrantes na base governista, a oposição não tem as 14 assinaturas necessárias para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), por exemplo.
Com a vitória no segundo turno garantida pelo bolsonarismo em uma disputa contra a até então improvável candidatura petista de Décio Lima, Jorginho não usou esse período para construção de alianças. Também praticamente ignorou o longo período entre a vitória e a posse, deixando solto o jogo do comando da Assembleia Legislativa – precisando aderir às vésperas da decisão para que a vitória de Mauro de Nadal (MDB) não se tornasse uma derrota que deixaria o PL completamente isolado no parlamento. Essa etapa de construção, mirando basicamente o MDB e o Progressistas, com algumas piscadas de olho para o PSD, aconteceu após a eleição da mesa, com boa parte do secretariado montado por nomes de confiança do governador.
Em tese, Jorginho acrescentou os seis deputados estaduais do MDB e os três do Progressistas, chegando a uma base parlamentar de 20 integrantes, com a posse de Jerry Comper (MDB) na Infraestrutura e Sílvio Dreveck (Progressistas) na pasta de Indústria, Comércio e Serviço. Na última sexta-feira, recebeu os três deputados estaduais do União Brasil, que não devem criar dificuldades. Diversos parlamentares de outras legendas também não querem ficar longe do governo. Como disse o experiente deputado estadual Júlio Garcia (PSD), após o triunfo da estratégia que levou Nadal ao comando da Alesc, não há clima de oposição no parlamento. Mas, isso não foi dito, apenas insinuado, a clima para deixar claro os limites do Poder Executivo na relação com o Legislativo.
Ao encaminhar a reforma administrativa como Medida Provisória (MP), Jorginho tentou escapar da possibilidade de ter que aguardar o limite dos prazos regimentais de um projeto de lei para vê-lo aprovado. O ex-governador Carlos Moisés (Republicanos) só conseguiu ver sua reforma administrativa aprovada em maio de 2019, no quinto mês de seu mandato. O caminho alternativo, no entanto, tem seus próprios percalços.
Uma MP vai a plenário duas vezes. A primeira, logo no início da tramitação, quando sua admissibilidade é analisada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e votada em plenário. Sem esse primeiro endosso, a proposta é fulminada logo de cara. Não deve acontecer, mas sempre fica o suspense. Passada essa etapa, a MP é distribuída a uma comissão de mérito e depois volta à CCJ. Se fosse um projeto, certamente seria analisado em pelo menos duas comissões: a da Finanças, comandada por Marcos Vieira (PSDB), e a de Trabalho e Serviço Público, sob comando de Ivan Naatz (PL). Sendo MP, passar por apenas uma delas e cabe à primeira-secretária da mesa diretora, Paulinha (Podemos), definir qual será.
É uma decisão em que poderemos ver se o parlamento quer dar uma trégua a Jorginho, deixando a MP nas mãos do aliado Naatz ou se quer mostrar que a vida tem mais espinhos, entregando a Marcos Vieira (PSDB) – até agora sem interlocução com o novo governo. Mais suspense na tramitação.
Não é exatamente o placar final da aprovação da reforma administrativa que vai determinar o tamanho da base governista. Moisés teve sua reforma aprovada sem votos contrários – 35 votos sim e quatro ausências. Mas viu a proposta receber 69 emendas dos parlamentares e ter pontos relevantes de seu texto – como a criação da Controladoria Geral do Estado – quase que totalmente desidratados. O tamanho da base de Jorginho será vista na facilidade que tenha, ou não, de manter razoavelmente intacta a proposta original que está em vigor desde quinta-feira. Mais suspense.
É interessante lembrar as bases parlamentares que saíram praticamente das urnas que elegeram Amin e Colombo em primeiro turno e Luiz Henrique no segundo. Talvez a maior similaridade que Jorginho pode encontrar na história recente é com o primeiro mandato de LHS. Azarão contra o favorito Amin, elegeu apenas 10 deputados estaduais em sua coligação restrita a PMDB e PSDB em 2002. No segundo turno, protagonizou a virada histórica que mudou o rumo da política catarinense graças a um acordo com o PT, que havia elegido nove deputados estaduais a bordo da primeira vitória presidencial de Lula (PT).
Luiz Henrique apostou na bancada petista e em partidos menores para garantir maioria na Alesc. Como não deu liga, atraiu aliados de Amin para o PSDB e depois conseguiu trazer o PFL para a composição, criando a chamada tríplice aliança que lhe garantiu a reeleição e a governabilidade em ambos os mandatos. Essa construção não aconteceu do dia para a noite, não se pode cobrar do novo governo que assim a faça.
Mas Luiz Henrique só conseguiu porque se cercou de muita gente que saber contar até 40 como ninguém. Não é o caso de Jorginho até agora.
Por isso, o suspense.
Sobre a foto em destaque:
No canto esquerdo do plenário da Alesc, Marcos Vieira e Ivan Naatz conversam. Foto: Rodolfo Espínola, Agência AL.