TCE aprova contas do último ano de Moisés, mas pede auditoria nos pagamentos do Plano 1000

No confronto de narrativas entre o ex-governador Carlos Moisés (Republicanos) e o atual governador Jorginho Mello (PL) sobre a situação do caixa estadual na virada das administrações, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) tornou-se uma espécie de VAR – o popular, às vezes nem tanto, sistema de câmeras para verificar as dúvidas de arbitragem no futebol. Sob comando do conselheiro Dado Cherem, relator das contas do governo em 2022, com voto acompanhado por unanimidade pelos demais integrantes da corte de contas, nenhum deles têm razão – ou ambos têm razão, o que dá na mesma.

As contas do último ano do governo Moisés foram aprovadas por unanimidade pelos conselheiros do TCE. Em seu relatório, Dado Cherem apontou que o Estado obteve um receita recorde em 2022, R$ 42,45 bilhões, e que foram gastos R$ 43,46 bilhões. Essa diferença negativa de R$ 1,8 bilhão, no entanto, “foi totalmente absorvido pelo superávit do exercício anterior (2021), resultando num superávit financeiro consolidado de R$ 5,08 bilhões”.

Cerca de metade desse valor são referentes ao Poder Executivo e não estavam livres para uso da nova gestão. Mesmo assim, Jorginho não poderá dizer que Moisés deixou o cofre raspado para a nova gestão. Contabilmente, as contas foram aprovadas.

Ao mesmo tempo, Dado Cherem fez fortes alertas sobre o aumento de gastos do governo Moisés em 2022, ano eleitoral. Chegou a lembrar em seu relatório que os primeiros anos da gestão do ex-governador foram reconhecidos pelo TCE pela “visível preocupação com a contenção de despesas e o equilíbrio fiscal” e que ano passado “foi possível identificar um afastamento dessa política inicial da gestão, em face do aumento significativo das seguintes despesas”.

Na berlida, em especial, o polêmico Plano 1000 – programa de investimentos do governo Moisés que previa o repasse de recursos para municípios na ordem de R$ 1 mil por habitante, com previsão de R$ 7 bilhões gastos em cinco anos. Jorginho Mello parou os pagamentos e tem questionado a prioridade às obras escolhidas – e, especialmente, o gasto projetado para o mandato do sucessor. Em seu parecer, aprovado pelo TCE, Dado Cherem aponta “graves irregularidades” no Plano 1000.

Vou reproduzir o que disse Dado Cherem sobre o Plano 1000: “falta de divulgação do montante total no Portal SC Transparência; falta de controle e falhas de informações, com valores não correlacionados, errados, ou simplesmente não atualizados; uso de sistema (SGP-e) não comunicado ao SIGEF, o que prejudicou até mesmo a identificação dos repasses feitos; divergências de Municípios credores; pendência de baixas, o que pode acarretar a superavaliação do Ativo Circulante do Estado; e; o que considero de maior gravidade, por um longo período, falta de exigência de prestação de contas.”

Segundo o conselheiro, “feriu-se preceitos básicos da Administração Pública, das normas contábeis, ocasionando informação sem qualidade para a consecução, não apenas dos objetivos constitucionais do Tribunal de Contas mas para a responsabilização (accountability) e a tomada de decisão por parte dos gestores públicos”. Por isso, determinou a realização de uma auditoria de todos os valores repassados pelo Plano 1000, as falhas de registros desses valores, a falta de divulgação dessas informações, a análise das obras realizadas com esses valores, bem como seus impactos para o Estado.

Em resumo, o TCE disse que o Plano 1000 é uma bagunça. Na disputa de narrativas, ponto para Jorginho.

As contas de Moisés foram aprovadas com quatro ressalvas e e dez recomendações. Além do Plano 1000, também foram ressalvados o descumprimento das metas planejadas para o Fundo para Infância e Adolescência (FIA); o descumprimento do percentual de repasse de recursos para pesquisa científica e tecnológica; e aumento expressivo da renúncia da receita em relação ao exercício de 2021. No julgamento das contas de 2021, o governo Moisés comemorou o feito de aprovar as contas sem ressalvas pela primeira vez na história. Voltou-se ao normal.

Caberá à Assembleia Legislativa analisar o relatório aprovado no TCE para decidir a aprovação ou não das contas. Nada indica, por enquanto, uma mudança do entendimento no plenário sobre a situação do caixa. No entanto, a posição dos conselheiros sobre o Plano 1000 joga combustível na polêmica sobre a continuidade dos pagamentos do programa às prefeituras, especialmente sobre as obras em andamento. O atual governador ganhou munição para justificar a demora para retomar os pagamentos.

Dia 30 de maio, na Alesc, uma audiência pública convocada pela Comissão de Assuntos Municipais, vai reunir prefeitos e os principais órgãos do Estado para debater o tema. O debate vai longe.


Sobre a foto em destaque:

Dado Cherem, relator da contas, e o presidente Herneus de Nadal, cumprimentam o ex-governador Carlos Moisés, que acompanhou a sessão do TCE. Foto: Guto Kuerten, TCE. 

 

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