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27 de julho de 2024

Um ano após pacote de Gean para o transporte coletivo, número de usuários dispara, mas conta não fecha

Um ano após o ex-prefeito Gean Loureiro (União Brasil) anunciar que não aumentaria as tarifas e apresentar um ousado pacote de mudanças para atrair usuários para o  transporte público em Florianópolis, 2023 começou com o retorno à velha rotina: o atual prefeito, Topázio Neto (Psd) anunciou reajustes para R$ 4,98 no cartão de usuário do sistema e R$ 6 em dinheiro. Entre um momento e outro, havia um prefeito que mirava uma candidatura a governador e a ideia de que o aumento do número de passageiros – e um acréscimo de R$ 36 milhões no subsídio anual pago ao Consórcio Fênix – tornaria viáveis as mudanças.

Gean Loureiro ficou em quarto na disputa pelo governo estadual em 2022. O número de usuários do transporte público disparou 71% em relação ao ano anterior e mesmo assim a conta não fechou – daí o aumento que assustou os florianopolitanos no início do ano. A prefeitura alega que o acréscimo vem do custeio de peças para os ônibus e fruto do aumento do diesel e reajuste no salário dos profissionais: de 31% e 15% respectivamente. O prefeito Topázio Neto ainda diz que a rentabilidade flutua através de outros fatores atrelados à função social do sistema e aos atrativos que ele oferece ao usuário. Na ponta do lápis, o aumento do subsídio em 2022 foi até um pouco maior que o previsto inicialmente: R$ 38 milhões.

– Ônibus parado na fila, por exemplo, custa mais caro e se torna desinteressante para o usuário. Se o sistema perde usuários, também se torna mais caro. Se o sistema possui tarifa social e meia tarifa para estudantes, também se torna mais caro – diz o prefeito.

No ano passado, o superávit das contas da prefeitura subsidiou o congelamento das tarifas e o pacote de medidas que buscavam atrair o florianopolitano ao sistema. Entre elas, o aumento de linhas, a adoção de uma tarifa flutuante – R$ 1 mais barata fora dos horários de pico –  e a possibilidade de ida e volta com apenas uma passagem em um período de duas horas.

Segundo dados do portal da transparência, o subsídio pago ao Consórcio Fênix cresce anualmente. Em 2020, foram R$ 34,5 milhões. Em 2021, R$ 69,5 milhões. Em 2022, com o pacote de medidas, R$ 115,5 milhões – 66,17% a mais do que no ano anterior. Comparativamente às demais cidades catarinenses, diz Topázio Neto, o valor pago na passagem na Capital figura entre os “mais baratos”.

– Mesmo que tenhamos que aportar mais investimentos. Se compararmos a tarifa de Florianópolis com cidades de médio porte de Santa Catarina, por exemplo, é possível perceber que na Capital ainda está mais barato. Mas estou falando do preço no cartão, que é gratuito. Não o valor no dinheiro, que muita gente gosta de falar, mas que é uma minoria que utiliza e que, em tese, não precisaria utilizar.

Mas a injeção de recursos no sistema divide opiniões, o que se reflete na Câmara de Vereadores. Manu Vieira (Novo) diz que a fiscalização de onde o dinheiro estaria sendo alocado é um passo importante para melhoria do serviço oferecido.

– Sou contrária a mais subsídio sem auditoria e fiscalização dos serviços. Um dos pontos levantados pelo Tribunal de Contas do Estado em relação ao contrato é a falta de fiscalização. É preciso entender o tamanho da conta e se estamos sendo eficientes antes de achar que a solução é dispensar mais dinheiro das pessoas no bolso das empresas, ainda mais quando consideramos que essas não possuem concorrência na prestação do serviço.

À esquerda, Afrânio Boppré (Psol) cita São Paulo como exemplo nos estudos de implantação da tarifa zero, pauta antiga também em Florianópolis, com valores subsidiados integralmente pela prefeitura paulistana.

– [O susbsídio é] um instrumento importante de transferência de renda e estímulo ao uso do transporte coletivo. Defendo inclusive a Tarifa Zero já implantada em várias partes do mundo e inclusive no Brasil. O prefeito de São Paulo abriu novamente esse debate em escala nacional. Solicitei ao prefeito [Topázio] os documentos que embasaram sua decisão de tarifaço e até agora não tive acesso. Vou insistir. Sou vigilante e persistente.

O parlamentar também acredita que o aumento está associado ao congelamento passado “e futuro”, em referência a uma possível preparação de terreno, por parte do prefeito, para 2024.

– Sim, está associado ao congelamento passado e ao futuro. Em Florianópolis a tarifa tem sido usada eleitoreiramente pelos prefeitos. Nada me garante que o atual tarifaço não seja uma gordura tarifária implantada pelo prefeito Topázio para que, na véspera eleitoral de 2024, ele dê uma aliviada populista para angariar votos.

Apesar de a gestão não deixar claro o balanço do pacote de medidas, o aumento no número de usuários do sistema de transporte chama atenção. O salto no número de usuários foi tão grande quanto o reajuste. Dados oficiais da Secretaria Municipal de Mobilidade mostram que, em 2021, o sistema operava com 30.830.620 usuários por ano. Em 2022, chegou a 52.790.030. A adoção da tarifa zero aos finais de semana, este ano, teria feito 20 mil veículos deixarem de circular aos sábados e domingos. A média de passageiros aos sábados é de 105.072 mil, enquanto aos domingos é de 63.282.  O valor do subsídio destinado à gratuidade nos finais de semana de dezembro e janeiro foi de R$ 6 milhões. O crescimento vai de encontro aos desejos do prefeito ao futuro da mobilidade em Florianópolis. 

– O que precisamos buscar, cada vez mais, é trazer mais usuários para o sistema. Quanto mais usuário, mais barato fica a operação e melhor se torna a mobilidade da nossa cidade. Esse é o nosso objetivo principal – diz Topázio.

No entanto, o fluxo de gente não bastou para que a conta se pagasse. A prefeitura diz que o aumento da passagem em 2023 corresponde aos custos registrados no último ano, como o aumento do diesel, de 31% em 2022. Outros itens que impactam no contrato entre o município e o Consórcio Fênix, como preço de peças e salários dos funcionários, também tiveram aumento durante o ano. Outro ponto destacado é que o brusco reajuste no pagamento em dinheiro – de R$ 4,50 para R$ 6 – tem como objetivo estimular o uso do cartão do passe, já que apenas 15% dos passageiros que utilizam o transporte coletivo diariamente realizam o pagamento por dinheiro. 

Manu Vieira diz que não é possível bater o martelo quanto a relação entre o congelamento do ano passado e o aumento de agora. Em média, desde 2019, a tarifa que seria definida pelas regras contratuais está acima da tarifa praticada, levando em conta a inflação, sendo reajustada apenas em janeiro deste ano. A diferença entre elas deveria ser recompensada com atualização contratual, no que se chama de equilíbrio econômico-financeiro. Segundo a vereadora, quanto maior o buraco, maior deveria ser o reajuste. 

– Dois deles, de responsabilidade da prefeitura, são os “fatos do príncipe” e a queda de demanda. A pandemia criou os dois. Fato do príncipe é o que o príncipe (prefeito) demanda, como, por exemplo, congelar a tarifa. Para analisarmos se a tarifa atual, reajustada agora em janeiro, está adequada, precisamos analisar os dados atualizados no último relatório técnico de reajuste tarifário de 2022, não divulgado, mas citado no decreto.

A vereadora completa dizendo que, para se alcançar maior transparência e atrair mais usuários ao transporte público, desafogando o trânsito da Ilha, o primeiro passo é uma revisão contratual com foco nos indicadores ruins indicados pelo atual.

– O cálculo do índice de satisfação de clientes sobre o serviço considera que todo passageiro que não realiza uma reclamação ao Serviço de Atendimento ao Consumidor é um passageiro satisfeito. Seriam necessárias dezenas de milhares de reclamações em um só mês para que o indicador caísse abaixo do nível de conformidade de 98% para que sanções fossem consideradas. 

Para Afrânio, o passo maior está no rompimento com a “lógica monopolista de concessão do serviço de transporte coletivo”, oferecendo um transporte que mire o passageiro, não o lucro da empresa.

– A implantação de elevados, aterros sobre o mar, duplicações de avenidas e alargamentos auxiliam, mas não é a solução. Precisamos de uma revolução no sistema de transporte que passa por subsídio rumo a Tarifa Zero. A Câmara precisa de coragem para forçar a mudança de paradigma. O Plano Diretor, a revisão do contrato, a fiscalização dos serviços e a independência dos poderes são indispensáveis. Tá na hora de pensar em metrô de superfície e implantação do Brt.


Sobre a foto em destaque:

As tarifas de ônibus em Florianópolis. Foto: Diórgenes Pandini.

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