Logo no começo de seu discurso como presidente eleito da Assembleia Legislativa, com 38 votos favoráveis e duas abstenções, o deputado estadual Mauro de Nadal (MDB) disse que toda eleição no Legislativo é precedida de muita conversa. Foi quando fez um cumprimento especial ao colega sentado ao lado, naquele momento em que o restante da mesa diretora ainda não havia sido eleito. Era o deputado estadual Júlio Garcia (PSD), ex-presidente em três mandatos e grande articulador da vitória confirmada na manhã desta quarta-feira.
– Sua experiência dá luz a quem com ele convive e seu exemplo no cumprimento de compromissos nos inspira – disse Mauro de Nadal sobre o colega.
Mais do que um elogio aleatório, era um dos muitos recados contidos nos discursos deste 1º de fevereiro de 2023 para ecoarem no Centro Administrativo e na Casa d’Agronômica, os endereços do Poder Executivo capitaneado pelo governador Jorginho Mello (PL). Quando ficou claro que o apoio do PL e as articulações palacianas seriam insuficientes para eleger Zé Milton Scheffer (Progressistas), Jorginho procurou o pessedista para que fosse ele o candidato de todos. Se a articulação política fosse uma dança, Júlio Garcia seria o melhor dançarino em atividade no Estado, todos sabem. Ele não rejeitou a proposta do governador, um passo simples demais para aquela dança. Disse que poderia ser o candidato, se Jorginho convencesse Nadal a ceder o espaço – não ele.
O governador tentou, o emedebista não cedeu, confiou na palavra. Confiar na palavra de Júlio Garcia é uma regra não escrita no regimento do parlamento catarinense. Mauro de Nadal sabia disso e assumiu a presidência da Assembleia Legislativa pela segunda vez. Jorginho fez de tudo para evitar uma cenário em que parecesse derrotado pelo pessedista – um político tão experiente com ele, com semelhantes origens no antigo Banco do Estado do Santa Catarina (Besc), mas que soube como ninguém fazer do parlamento estadual seu palco. Júlio Garcia mostrou que no palco do Palácio Barriga Verde tem mais repertório do que Jorginho.
A fotografia clara em que o governador aparece derrotado pelo deputado estadual não se concretizou, está nuançada. Na antevéspera das eleições, o governador tentou mais uma cartada: a superbancada do PL, com 11 integrantes, apoiaria Mauro de Nadal. Pediu que a deputada estadual Ana Campagnolo, recordista histórica de votos da Alesc e uma das expressões mais fortes do bolsonarismo em Santa Catarina, fosse a primeira vice-presidente. Seria uma compensação e uma sinalização para militância do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em Santa Catarina. A última conversa com Nadal, segunda-feira à noite, deixou esse passo encaminhado.
Faltou combinar com os quatro blocos formados articulados por Júlio Garcia e que davam a sustentação à maioria já garantida por Nadal. Especialmente o bloco de esquerda, formado por PT, PDT e PSOL, que teria direito à 1ª e à 2ª vice-presidências e que rejeitavam Ana Campagnolo por suas posições radicais à direita. Um exemplo foi usado mais de uma vez. Na cerimônia de diplomação dos deputados estaduais, em dezembro, coube a ela discursar em nome dos 40 eleitos, como mais votada do grupo. Em vez de falar pelo parlamento, fez um discurso contundente com base em sua agenda antifeminista. Os deputados de esquerda alegaram que Ana Campagnolo poderia proceder assim também nos espaços de visibilidade garantidos pela vaga na mesa diretora.
As discussões sobre quem ocuparia a vaga se arrastaram até a manhã desta quarta-feira, poucas horas antes da cerimônia de posse marcada para as 9 horas. Ao final, a bancada do PL rifou Ana Campagnolo e sugeriu o nome de Maurício Eskudlark, experiente parlamentar que já ocupava a primeira vice-presidência na legislatura passada. O PDT de Rodrigo Minotto e o PT de Padre Pedro toparam mudar de posição na mesa para encaminhar a solução. Estava resolvida a situação – que teria votos contrários da ala ideológica do PL – Ana Campagnolo, Jessé Lopes (que votou apenas a favor de Nadal) e Sargento Lima.
Ainda há o que entender na reta final dessa dança. A sensação que ficou é de que a própria bancada do PL usou sua recordista de votos como bode na sala para conseguir a vaga que queria, com o nome que queria desde o começo – e não era o dela. Se Jorginho participou, não ficou claro. Mas o gesto delimitou e isolou o bolsonarismo radical na própria bancada do PL. Todos os demais oito integrantes já eram do partido, pelas mãos do governador, quando Bolsonaro se filiou em dezembro de 2021.
Mas o que ficou claro mesmo é que a articulação política do governo Jorginho terá desafios maiores do que esperava com o parlamento estadual. Júlio Garcia sai fortalecido, o MDB de Mauro de Nadal cacifa-se para espaços maiores caso seja mesmo recrutado para o secretariado, há feridas a curar na relação com o Progressistas de Zé Milton, há desconfianças sobre a capacidade de entrega em possíveis aliados como PSD, Podemos e União Brasil. Há, principalmente, desconfianças entre membros do próprio PL.
Jorginho apostou que jogando sozinho no mês de janeiro, antes da posse dos deputados estaduais, conseguiria desfazer o jogo de Júlio Garcia e Nadal. Não desfez. Sob a batuta de Ivan Naatz, Estener Soratto, Natan Monteiro e, nos bastidores, Filipe Mello, a dança coletiva da articulação do governo Jorginho mostrou-se desalinhada demais para o primeiro desafio.
Haverá outras danças.
Sobre a foto em destaque:
Jorginho Mello (PL) abraça Júlio Garcia (PSD) na posse dos deputados estaduais. Foto: Cristiano Andujar, Secom.