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27 de julho de 2024

O debate que falta: comprar 75 mil vagas de ensino superior é a grande prioridade de Santa Catarina?

O ex-governador Raimundo Colombo (PSD) gostava de dizer que não existe nada pior para um governo ou um governante do que uma prioridade falsa. Tenho lembrado muito da frase do lageano em meio às discussões sobre o projeto do Universidade Gratuita, a mais ousada promessa de campanha do governador Jorginho Mello (PL), que foi entregue à Assembleia Legislativa há uma semana, mas ainda aguarda o começo da tramitação. Nos últimos meses, enquanto a proposta era esmerilhada internamente em busca de um modelo adequado tanto à promessa quanto ao caixa do Estado, o que se viu foi um debate entre as universidades comunitárias ligadas ao sistema Acafe, grandes beneficiárias do projeto, e as instituições particulares com fins lucrativos, reunidas na Ampesc. Uma espécie de rinha universitária sobre quem é mais privada.

Esse debate tende a aumentar porque até agora todas as compensações oferecidas pelo governo Jorginho Mello para que a Ampesc não crie obstáculos à aprovação do Universidade Gratuita não foram suficientes. Na proposta encaminhada à Alesc, 20% de tudo que for gasto com a compra de vagas da Acafe terá que ser pago em bolsas de estudo nas demais particulares – que acham pouco. Quando for integralizado o UG, em 2026, o gasto anual com a Acafe será de R$ 1,2 bilhão, enquanto o custeio das bolsas deve consumir outros R$ 200 milhões. É um desequilíbrio de mercado, dizem as particulares.

A nova etapa dessa rinha de privadas envolve a entidade nacional do setor, a ANUP (Associação Nacional das Universidades Particulares), que acionou o Tribunal de Contas do Estado (TCE) para a instauração de uma auditoria de acompanhamento no Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina (UniEdu) e uma inspeção para apurar o modelo do Universidade Gratuita. A entidade questiona os critérios que levaram o governo Jorginho Mello a priorizar a Acafe, considerando que as privadas reúnem 68% dos estudantes catarinenses e estão distribuídas por mais cidades do Estado – 133 a 64. Apontam, ainda, que as mensalidades nas comunitárias são 55% mais caras que nas concorrentes.

É um debate importante, mas ainda alinhado à discussão praticamente única que tem sido feita – que debate o caráter privado das instituições. É pouco. O grande debate é definir se comprar 75 mil vagas de ensino superior é uma prioridade falsa ou verdadeira no atual contexto de Santa Catarina. Parece óbvio que quanto mais vagas gratuitas forem ofertadas aos estudantes catarinenses – especialmente àqueles cujas famílias não têm recursos para pagar as mensalidades -, melhor. É quase tão óbvia também a relação histórica entre as regiões de Santa Catarina e as universidades ligadas à Acafe, um modelo único e que merece atenção e incentivo.

No final do ano passado, na Federação das Indústrias (Fiesc), ainda antes de assumir o governo, Jorginho apontou que uma dos objetivos do programa é proteger o sistema Acafe da compra por grandes grupos de educação brasileiros ou estrangeiros – citou a Unisul, comprada pela Ânima, como exemplo do que não poderia se repetir. É assim que o UG precisa ser visto: é um projeto que beneficia estudantes, mas que também é uma forma de dar solidez financeira ao modelo das comunitárias. É um bom debate, tem mérito. Mas também é inegável que se trata de uma promessa cara – serão R$ 3 bilhões despejados nas 16 universidades beneficiadas apenas no mandato de Jorginho Mello, que vai avançar o gasto ano a ano até integralizar a promessa de comprar 100% das vagas em 2026.

Diante de todas as carências e necessidades do Estado, em todos os setores, essa é a prioridade das prioridades ou o UniEdu já dá conta do recado? Esse debate poderia ter sido feito na campanha eleitoral, quando Jorginho apresentou a proposta e nenhum dos oponentes contrapôs – talvez não acreditassem na vitória do candidato do PL. Não foi a promessa que garantiu a vitória, foi o número 22 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) colado ao peito e à chapa do atual governador, todos sabemos. Por isso, é tão estranho que a promessa chegue ao parlamento como algo que deva meramente ser aperfeiçoado, sem um debate consistente sobre pertinência. Depois de aprovado, restará pagar a conta.


Sobre a foto em destaque:

Presidente da Alesc, Mauro de Nadal (MDB) recebe do governador Jorginho Mello (PL) o projeto que institui o Universidade Gratuita. Foto: Eduardo Valente, Secom-SC.

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