Artigo de Gedeão Locks, economista.

O aumento da população em situação de rua no centro de Florianópolis tem ganhado cada vez mais destaque na mídia e no debate público. Essa não é uma questão nova: já em 336 a.C., na Grécia Antiga, o filósofo-mendigo Diógenes pedia licença a Alexandre, o Grande, dizendo: “não me tires o que não podes me dar.” Tampouco se trata de um problema exclusivamente local — é um desafio que aflige cidades ao redor do mundo. No Brasil, chama atenção o caso da Cracolândia, em São Paulo; em Paris, há grandes concentrações na região da Porte de la Chapelle; e, em São Francisco, nos Estados Unidos, talvez se observe a situação mais extrema. A verdade é que, até hoje, não se encontraram respostas simples ou definitivas para lidar com essa questão complexa.
Sou autor de um artigo acadêmico que demonstra como a renda mínima, na França, ajudou a reduzir o número de pessoas vivendo nas ruas. Mas, aqui, gostaria de me concentrar em outro ponto que, a meu ver, tem recebido pouca atenção nesse debate: o papel da arquitetura e do urbanismo na concentração de moradores de rua.
É sabido que essas concentrações tendem a ocorrer em áreas urbanas esvaziadas, como centros históricos que perderam parte de suas funções originais ou foram deslocados do eixo principal da vida urbana. Nessas regiões, prédios abandonados tornam-se espaços vulneráveis, servindo muitas vezes como locais de uso de drogas, abrigo improvisado ou outras atividades ilícitas. Urbanistas e jornalistas como Raul Juste Lores têm feito trabalhos importantes ao divulgar ideias e projetos que poderiam melhorar o ambiente urbano a custos relativamente baixos. Afinal, a capacidade de investimento do poder público está cada vez mais limitada: há escassez de recursos e, quando eles existem, muitas vezes se perdem na burocracia de editais, regulamentos e entraves administrativos. Ainda assim, há margem para ações de coordenação mais eficientes, desde que haja visão e vontade política de transformar a realidade do centro.

Até o momento, a Prefeitura de Florianópolis parece ter apostado principalmente em medidas de caráter repressivo contra as pessoas em situação de rua — vale lembrar que estar na rua não é crime — sem que a situação tenha apresentado melhora. O secretário recém-exonerado tentou explorar politicamente o problema com uma lógica simplista: tentou associar os moradores de rua à violência urbana (o que não corresponde à realidade), para que, ao autorizar a ação policial contra essas pessoas, parecesse estar combatendo o crime na região. Além disso, a Prefeitura fechou o Restaurante Popular — uma importante fonte de alimentação não apenas para quem vive nas ruas —, multou associações que distribuíam alimentos e chegou a cogitar internações compulsórias. Mais tarde, o próprio secretário descobriu que, mesmo para quem deseja tratamento voluntário, não há vagas suficientes nos hospitais públicos ou nos serviços de saúde mental.
Diante desse cenário, surge a pergunta: quais seriam maneiras eficazes — e relativamente acessíveis — de tornar o centro mais limpo, seguro, frequentável e agradável para todos? É fundamental lembrar que o centro histórico é o marco zero da cidade: palco de manifestações religiosas, como a procissão do Senhor dos Passos; de acontecimentos políticos, como a Novembrada; de fatos históricos, como a morte de Dias Velho em frente à Catedral; e culturais, como o Carnaval. É, portanto, um espaço carregado de simbolismo e memória para Florianópolis.
Quem anda pelo centro percebe que algumas ruas concentram muito mais pessoas em situação de rua do que outras. Será que a arquitetura e o desenho urbano ajudam a explicar parte desse fenômeno? Um bom exemplo é a rua Saldanha Marinho, que se estende quase da Praça dos Bombeiros até o antigo terminal urbano. Ali, observa-se grande número de imóveis sem fachada ativa — ou seja, prédios com paredes cegas voltadas para a rua, marquises fechadas ou imóveis abandonados, sejam públicos ou privados. A ausência de fachadas vivas, somada a calçadas estreitas, cria espaços pouco convidativos ao uso cotidiano e mais suscetíveis à ocupação ou à formação de moradias improvisadas.

Além disso, revitalizar o centro passa necessariamente por atrair moradores para viver ali. Não está claro o que vem primeiro: se o centro está sujo e degradado porque ninguém mora nele, ou se ninguém quer morar nele porque está sujo e degradado. Em lugares onde não há vida além dos serviços — onde ninguém reside —, o movimento acaba assim que o comércio fecha, deixando as ruas vazias, especialmente nos fins de semana. A Prefeitura acertou ao aprovar a lei do retrofit, mas é preciso avançar mais. Existem hoje inúmeras possibilidades de projetos de aluguel social, habitação popular ou uso misto, capazes de revitalizar o centro. Bastam imaginação e vontade política para transformar ideias em realidade.
Segue uma lista não exaustiva de medidas possíveis:
- Identificar e contatar proprietários de prédios abandonados para estimular sua ocupação;
- Aumentar o valor do IPTU de imóveis inutilizados, desestimulando a manutenção de prédios vazios no centro;
- Oferecer linhas de financiamento para a requalificação de prédios, com incentivos para a criação de fachadas ativas voltadas para comércio ou serviços;
- Realizar melhorias urbanísticas, como regularizar o calçamento em ruas de paralelepípedos e ampliar as calçadas.
Por fim, é importante lembrar que a beleza das cidades tem enorme impacto no bem-estar das pessoas que nela vivem e na forma como as pessoas se sentem nos espaços públicos. É justamente essa sensação — de ruas agradáveis, harmônicas, vivas — que nossas elites buscam quando viajam para cidades europeias. Por que, então, parece tão difícil reproduzir isso aqui?