O governo do Estado faz sua parte e aguarda aproximação dos órgãos federais – Funai e Casai, para resolução da crise pela qual passa a comunidade indígena Laklãnõ Xokleng, em José Boiteux. A fala é do secretário da Proteção e Defesa Civil, Coronel Armando (PL), e surge como contraponto ao relato do deputado estadual Marquito (PSOL) sobre as condições de vida e tratamento, por parte do governo do Estado, dado aos indígenas da região.
Em entrevista concedida ao jornalista Upiara Boschi, o secretário afirma que a gestão estadual “faz o que pode dentro das possibilidades” para atender às demandas acima e abaixo da barragem – em áreas, inclusive, sob responsabilidade federal.
Leia a entrevista na íntegra:
Coronel, publiquei no site um relato que o deputado Marquito fez lá em José Boiteux e ele fala em crise humanitária. O que está acontecendo lá, pela visão da Defesa Civil?
Quem mais interage com a comunidade indígena Laklãnõ Xokleng é a Defesa Civil, pois a gente opera a barragem. Nessa operação da barragem, nós temos dificuldades que são oriundas das reinvindicações indígenas, que são antigas. Desde que a barragem foi concluída, os índios foram afetados. Reinvindicações que eles cobram e, no momento de operar a barragem, é mais fácil eles cobrarem do Estado atendimento às demandas anteriores. Nós estamos trabalhando no sentido de atender essas demandas; é orientação do governador. Desde que nós assumimos em janeiro, nosso objetivo é atender a decisão judicial de 2003 para que a gente possa concluir novamente as obras do canal extravasor, que não iniciaram, e também recuperar a sala de controle da barragem.
Quais são as maiores dificuldades lá?
A maior dificuldade é atender às demandas indígenas. Primeiro porque é um órgão federal; não existe uma infraestrutura pronta. A gente tem que atender a dez aldeias em situações de dificuldade ao mesmo tempo em que estamos com o Estado inteiro em dificuldades. A urgência da operação da barragem faz com que, no momento, haja muitas reinvindicações dos índios. Eles querem mobilidade total, querem poder levar as pessoas para área médica. Mas ninguém está andando rápido, então nós temos dificuldades. O plano de contingência prevê que a gente distribua cestas básicas quando eles não podem pescar ou buscar por outros recursos, mas são dez aldeias indígenas, é muita dificuldade para se entregar. Tem aldeias em quatro municípios afetados: Doutor Pedrinho e Taió, José Boiteux e Vitor Meirelles. Esses quatro municípios são os que absorvem a reserva indígena. E aí a gente tem que levar cestas básicas a 101 quilômetros de distância a partir de José Boiteux, com uma equipe de três pessoas da Defesa Civil. Eles não aceitam que a gente mande outra pessoa que não essas três autorizadas. Isso provoca atrasos.
E como é o deslocamento entre as aldeias?
O deslocamento está sendo com veículos cedidos, tem que ser veículo 4×4, para transportar e colocar cestas básicas. A gente trabalhou com veículos dos bombeiros, da prefeitura, mas a mobilidade é ruim para todos. Há uma dificuldade na entrega, uma equipe pequena para fazer. Essa é uma das reclamações e a gente entende. Nós distribuímos água também. Lembrando que a responsabilidade pela saúde indígena e pela proteção do índio é dos órgãos federais. Nesse momento, se transfere para a Defesa Civil ou para o governo do Estado responsabilidades que são dos órgãos federais. E a gente quer resolver esses problemas em conjunto. Da forma como foi colocado, que a saúde indígena está ruim, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Saúde, colocou uma ambulância à disposição. Eles não conseguem manter médicos lá, então ficou no colo do Estado colocar médicos, e não é uma atribuição nossa. Então a gente colocou ambulância, colocou uma estrutura, e é difícil manter uma estrutura. Então várias das reinvindicações falam da situação da saúde, mas isso tem que ser feito com trabalhos preliminares, de divulgação, campanhas de vacinação; eles estão mais sensíveis às doenças, a gente reconhece, exige uma atenção maior na área da saúde. A gente viu que algumas reclamações estão ligadas a isso. Outras estão ligadas à mobilidade; outras estão ligadas a um acampamento que foi feito ali fora das aldeias. Índios que saíram dali e foram acampar nas áreas de barragens enquanto a gente opera e querem uma estrutura com banheiros e tal, mas a gente não pode colocar banheiros naquela região. Poderia a própria Funai colocar, e estão reclamando que não têm as condições; eles teriam se voltassem para a aldeia. Mas ali é fora da aldeia.
Mas vocês estão conseguindo operar a barragem agora?
Nós começamos tendo problema no início, a primeira operação; no dia 7 houve o conflito, uma reação porque chegamos lá para cumprir uma decisão judicial, com autorização para uso da Polícia Militar para proteção, junto com a Polícia Federal. Naquele dia estavam sendo entregues as cestas básicas e atendido o acordo, quando houve uma situação de um conflito provocado por um indígena, nossa viatura foi atingida. Teve vidro quebrado, pneu rasgado, nossos policiais foram agredidos. Naquele dia sumiu uma pistola da Polícia Federal. Não foi um conflito provocado pela polícia. Houve uma reação.
A política interna das aldeias afeta essa relação com o governo?
Também. A liderança política lá mudou no dia 22 de agosto, numa eleição que houve segundo turno e assumiu o cacique Setembrino. Toda negociação passa a ser com o primeiro cacique. Mas cada uma das dez aldeias que têm seu cacique substituto, você tem que conversar com cada cacique de cada aldeia. Esse cacique tem que falar com sua aldeia, informar o que será feito e tem que haver uma concordância e a partir daí nós podemos evitar uma ação. Como é um início de mandato do cacique Setembrino, demora a ter uma resposta positiva. E também, operar as barragens. Os índios sentem como invasão da região. Mas a barragem é um instrumento que está em uma área federal para atender uma necessidade do Estado de Santa Catarina. Então, quando a gente opera, estamos pensando em todos os habitantes do Vale do Itajaí, abaixo e acima. Muita gente diz que estamos operando a barragem para proteger Blumenau. Não. Estamos operando para atender todo o Vale. E a gente faz medidas compensatórias para atender também os índios, acionando o plano de contingência.
A Defesa Civil está pensando em alguma medida para melhorar esse fluxo da entrega de cestas básicas e de água?
Sim. A gente discutiu hoje (terça-feira), o Ministério dos Povos Indígenas se colocou pra cá. A situação que ocorreu em outubro gerou movimentos internacionais; ONGs e ministérios passaram a vir aqui ao Estado e se reuniram inicialmente só povos indígenas lá na barragem. Pouca conversa conosco. Pediram um canal de comunicação. A gente está criando um ponto focal para participar junto com a Secretaria de Assistência Social, que é muito importante nesse processo, porque a parte da cesta básica é deles; e estamos trabalhando em conjunto para atender e adaptar o plano de contingência. O plano estava escrito, mas não havia sido testado com essa continuidade. Então, estamos tendo que entregar água, pensamos em fazer cisternas nas aldeias para evitar que a gente tenha que entregar com mais brevidade e também fazer uma cesta básica adequada com a forma com que o indígena se alimenta. Hoje nós entregamos produtos que são para o Estado inteiro, produtos que nem sempre eles comem.
A contenção de futuras enchentes depende de uma série de obras naquela região e as próprias melhorias da barragem da Boiteux. Vocês estão tranquilos que vão fazer essas obras?
Todos os esforços do governo estadual, por orientação do governador Jorginho, foram para resolver o conflito. Tem uma decisão judicial de 2003, acho que transitada em julgado em 2017, que determina que o governo estadual execute obras compensatórias; uma escola, uma fonte, estrada, igreja, campo de futebol. O governador disponibilizou R$ 20 milhões dos recursos do Estado para a gente atender essa demanda. Com o atendimento a essa demanda, a gente vai ter condições de fazer as obras necessárias de construção do canal extravasor. Também tem um problema que tem que ser colocado um centro de memória deles; e também a recuperação da sala de controle das barragens. Nosso objetivo é esse. Existe uma decisão judicial. Nós precisamos melhorar a interlocução entre a Funai, a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena), o Ministério dos Povos Indígenas e o governo do Estado. Mas é preciso que seja visto todo o esforço que o governo do Estado está fazendo e não às vezes passar uma versão que a gente não apoia a comunidade indígena. Nós realmente fazemos dentro das possiblidades. Parte do que é requisitado nem a própria Funai consegue realizar pelas dificuldades de ser órgão da administração pública. Se fosse um órgão privado, a gente podia comprar e resolver. Mas somos órgãos públicos e estamos sujeitos a uma legislação. Isso tem que ser entendido e somado. Temos que somar esforços. E esperamos, sim, fazer as obras, iniciando as obras do ano que vem com a licitação em andamento, a gente poder concluir em dois anos as obras iniciadas. É necessário licenciamento ambiental, que no caso da barragem, é federal, então é com o Ibama e não com o IMA, mas vamos buscar isso para fazer as obras e dar mais segurança a todos os catarinenses.
Sobre a foto em destaque:
Coronel Armando em visita a comunidade indígena em José Boiteux, antes das cheias, com o cacique Setembrino Camlem (de camisa cinza). Foto: Divulgação.