Partidos “organizam” a vontade popular, mas precisam se reconectar com o eleitor. Por Marcelo Peregrino Ferreira

Marcelo Peregrino é advogado e doutor em Direito.

Mesmo na política, nem tudo é opinião. Há conceitos também que permitem uma comunicação com melhores possibilidades de compreensão mútua. Infelizmente, nas ciências sociais, ao contrário da matemática ou da física, nem sempre as respostas são coincidentes. Um papel importante dos intelectuais talvez seja traduzir esses temas complexos em termos mais acessíveis. De todo modo, esse artigo quer tratar da democracia de partidos, um ponto mais que importante para entender a democracia.

E parte-se já, sem demoras, para um toque contemporâneo, a partir de uma manifestação do deputado federal Gilson Marques (Novo) que lamentou da tribuna da Câmara a ausência de debate sobre uma matéria importantíssima para o país e apôs em sua rede social a estrondosa frase “fecha essa porcaria”.
É preciso ir devagar com o andor, para não se desperdiçar o bom trigo junto com o joio, nada obstante compreensível a crítica do nobre parlamentar.

A ideia do monopólio dos partidos vem de uma constatação muito pragmática. Não há a possibilidade de reunir as pessoas e indagar-lhes a opinião em uma sociedade de massas com sufrágio universal. Há a necessidade de organização dessa “vontade” das pessoas que irá desaguar em ação estatal, em política pública após a eleição dos escolhidos, caso sobrevivam ao périplo de cassações, indeferimento de registro que assola o direito eleitoral nacional. A vontade entre aspas é proposital e assinala a inexistência de uma vontade como um fenômeno físico, sendo mais uma figura literária sobre o qual não se pensa muito. As pessoas mais divergem que concordam na medida que se pormenoriza os temas.

Todos concordam com a existência de um Poder Judiciário, mas há divergência quando se aborda a intensidade da sua participação, em especial, sobre grandes desacordos morais da sociedade como a constitucionalidade do aborto ou o casamento de pessoas de mesmo sexo. Enfim, essa ideia de uma vontade geral a ser resgatada por um líder foi sempre um terreno fértil para os caudilhos de antanho.
No fundo, os partidos ajudam a transformar o poder do povo em poder de mando estatal em um regime democrático, claro, sob a ideia da representação, de atuação em nome de alguém. Há uma união de esforços, em prol de um objetivo comum. No fundo, cuida-se de metódica organização da massa eleitoral.

E esse é o papel dos partidos: a de constituir essa vontade no seio do parlamento. Ali é que essa vontade popular é criada, a partir da composição das forças do parlamento, da transação, dos acordos para o atingimento de algo comum. Por evidente, os partidos mudaram de função ao longo do tempo com a crescente irrelevância externa dos parlamentares, individualmente considerados. No Brasil passa-se pelo fenômeno inverso, com trágicas consequências: perda da importância dos partidos e ascensão de individualidades e candidaturas avulsas…

No modelo do parlamentarismo, por exemplo, a eleição tem a função de ascender pessoas de confiança ao governo, estando a individualidade e a proximidade do candidato aos seus colégios eleitorais presentes com ênfase. Aliás, é um governo de notáveis, cuja proeminência dos mandatários decorre do caráter, riqueza ou ocupação, o que gera uma eleição sem necessariamente um vínculo político entre candidato e eleitor. Em seguida, com a ampliação do sufrágio e firme na necessidade de sua mobilização, vem a democracia de partidos, onde situam-se como protagonistas o ativista e o burocrata do partido. O parlamento nesse modelo é o centro deliberativo.

Isso é particularmente importante, porque a passagem desse modelo afasta o centro de decisão do parlamento para os partidos. Isto é, os debates, o convencimento e a tomada de decisão se dão no interior dos partidos e são meramente encaminhadas pelos representantes no parlamento. Delibera-se aquilo que os partidos adredemente já decidiram.

Atualmente, vê-se uma outra forma, uma espécie de democracia de audiência, utilizando o termo de Bernard Manin, em que o candidato – personagem midiático, não necessita mais do partido ou do ativista, em razão da relação direta estabelecida, via meios de comunicação, com seu eleitorado, com a confiança se deslocando do partido para a pessoa do candidato. O eleitor torna-se um ser reativo às diferenciações apresentadas pelos candidatos e na sua imagem.

Os partidos, como a democracia, são o que há de melhor por aí. Precisamos cuidar de ambos e participar mais da vida política do país. Nenhum modelo democrático sobrevive à indiferença do seu povo.



Marcelo Peregrino Ferreira é advogado e doutor em Direito.

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