Por Cryslan
O financiamento das campanhas eleitorais desempenha um papel crucial no cenário político, onde a competitividade eleitoral caminha numa crescente. O alto custo vivenciado nas campanhas eleitorais no Brasil representa um grande desafio para o pleno funcionamento democrático, digo isso porque pode condicionar a vitória eleitoral e, por conseguinte, a representação política, à monetarização das campanhas.
Desde a minha graduação em Administração Pública, tenho me dedicado a estudar cientificamente o financiamento eleitoral no país. No dia de ontem fiz a defesa da minha dissertação de Mestrado pela ESAG/Udesc, onde apresentei minha pesquisa sobre o financiamento público eleitoral, especialmente entendendo como é a distribuição dos recursos públicos pelos partidos políticos aos seus candidatos.
Antes de chegar nos resultados, é importante entender o contexto que estamos vivendo.
Com as mudanças na legislação na última década, o Brasil tomou um novo rumo no financiamento eleitoral, deixando as doações privadas de lado, colocando o dinheiro público como a origem financeira predominante nas receitas da campanha eleitoral. Apenas para ter uma melhor visualização dessa mudança, destaco aqui como foi a evolução das receitas das candidaturas nos últimos anos:
- 2006: 92% privado / 8% público
- 2010: 76% privado / 23% público
- 2014: 63% privado / 37% público
- 2018: 31% privado / 69% público
- 2022: 18% privado / 82% público
Em menos de duas décadas é nítido como o jogo virou, os legisladores brasileiros optaram por destinar uma fatia maior da arrecadação de impostos em campanhas. Para defender o aumento de verbas públicas, foi identificado a construção da narrativa entre os partidos e políticos de que os recursos públicos democratizariam as competições nas campanhas eleitorais.
Em 2017, na criação do Fundo Eleitoral pelo Congresso Nacional, o discurso mais ouvido entre os parlamentares foi de que esse montante seria a oportunidade de nivelar o candidato com menos recurso para com os que têm mais capital para investir na campanha.
Será que é isso que acontece na prática?
Para saber essa resposta é preciso lembrar que quem define a divisão desse dinheiro são os diretórios partidários. As siglas recebem dinheiro público do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral e definem suas repartições internas, somente na última eleição foram R$5.3 bilhões de recursos públicos injetados nas campanhas eleitorais pelos partidos aos candidatos.
Então, para descobrir como foi essa divisão, fiz uma dissertação que construiu e analisou uma medida de desigualdade da distribuição dos recursos públicos de campanha pelos partidos políticos nas eleições de 2022.
Através dos dados fornecidos pelo TSE, construímos um índice de Gini dos partidos políticos, onde os partidos próximos do índice 0 demonstram melhor igualdade e os partidos próximos do 1 maior desigualdade. Veja o resultado:
Calculando o índice de todos os partidos de maneira proporcional, temos que o coeficiente nacional é de 0.72 – muito mais próximo do 1 do que do 0. Esse resultado demonstra que a divisão dos recursos públicos pelos partidos ainda é muito concentrada, privilegiando poucos candidatos.
Na época, o partido Novo não utilizava nem recursos do Fundo Eleitoral, nem do Fundo Partidário, então todos os candidatos receberam a mesma quantia financeira (R$0,00), apresentando seu índice em perfeita igualdade dos seus candidatos. Já os demais partidos, especialmente os pequenos, se dividiram nos extremos do ranking, demonstrando também que não há correlação ideológica nesse tema.
Essa pesquisa demonstrou que as legendas ainda não contemplam boa parte das candidaturas que colocam na disputa. Essa alta concentração sugere a existência de dinâmicas internas nos partidos que privilegiam determinadas candidaturas em detrimento de outras, o que pode impactar significativamente a competitividade e a representatividade no contexto eleitoral.
A prática dos partidos políticos, demonstrada pelo estudo, pode ser rebatida com o que foi defendido para a criação e ampliação de recursos públicos para o financiamento de campanhas. Tal disparidade verificada na distribuição do dinheiro, impõe desafios consideráveis aos novos concorrentes, muitas vezes oriundos de grupos menos influentes ou com recursos financeiros limitados.
Este cenário, por sua vez, pode perpetuar a estrutura política vigente, obstruindo a entrada de novas vozes e perspectivas no cenário político brasileiro. Sendo assim, as ações promovidas pelos partidos podem ser uma grande barreira para a renovação política, trazendo ainda mais resistência na busca pela “democratização” das eleições.
Dessa forma, nesse breve artigo para o site upiara.net, não entrei no mérito positivo ou negativo que o financiamento público carrega, mas quis apenas trazer dados de como os partidos políticos estão distribuindo os recursos que recebem. Por se tratar de dinheiro público, a transparência deveria estar vinculada. Portanto, já que o Brasil optou por dar considerável prioridade ao financiamento público em oposição a doações privadas, é preciso que esse debate seja cada vez mais ampliado.
Cryslan de Moraes (Novo) é vereador em São José e mestre em Administração Pública pela Udesc.