Não há paz no trânsito quando se vende uma CNH por 5 reais. Por Antonio Benda da Rocha

Antonio Benda da Rocha fala sobre a campanha do Maio Amarelo destacando os valores baixos das CNHs

Antonio Benda da Rocha escreve artigo sobre a preocupação com a violência no trânsito destacando a corrupção na obtenção da CNH. Benda acredita que os valores cobrados pelo documento vão contra o movimento Maio Amarelo, que fala sobre a paz no trânsito.

Neste mês, em todo o país, ocorre o Maio Amarelo, movimento destinado a chamar a atenção e reflexão da sociedade em geral para o alto índice de mortes e feridos diante da violência no trânsito. No mundo todo, mais de um milhão de pessoas morreram no ano passado em decorrência dos sinistros, com uma triste estatística de trinta e quatro mil no Brasil e mais de mil mortes em Santa Catarina.

Nosso país ostenta o preocupante 2º lugar do ranking entre as nações com mais mortes e o pior trânsito no mundo, perdendo apenas para a Rússia. O Maio Amarelo é um movimento de caráter também internacional, originado em 11 de maio de 2011, através da ONU, por ocasião da implantação da “1ª Década de Ação para a Segurança no Trânsito”, resolução que objetiva reduzir os sinistros de trânsito e suas causas.

No Brasil o movimento somente iniciou-se há dez anos e no ano de 2024 a pauta do Maio Amarelo oficialmente se apresenta com a temática: “paz no trânsito começa por você”. A ideia está em promover uma consciência coletiva e coordenada de todos os atores do trânsito, de vários segmentos (órgãos/entidades de trânsito, pedestres, ciclistas, motocicletas e motoristas em geral) com o propósito de discutir e criar estratégias para “eu, você e o trânsito estarmos em paz”, primando por um trânsito seguro, saudável, responsável e ambientalmente sustentável.

Contudo, a paz pretendida fica melindrada quando se tem a notícia de que condutores de veículos automotores, por vezes incapacitados, receberam a chancela estatal de tornarem-se verdadeiramente motoristas habilitados e tiveram supostamente as suas aprovações validadas ao custo do módico valor de R$ 5,00. Isso mesmo leitor, você não leu errado: foram “cinco reais” pela venda de cada avaliação para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Foi isso que o GAECO, grupo de combate às organizações criminosas, apurou na Operação Sinal Vermelho, desencadeada na região do município de Jaraguá do Sul/SC, em que vários mandados de busca e apreensão, prisões temporárias e prisão em flagrante resultaram aos investigados por oferecer e receber vantagens indevidas para viabilizar a aprovação de alunos nos Centros de Formação de Condutores (CFCs) – as conhecidas “autoescolas” da região (Jaraguá do Sul, Massaranduba, Guaramirim, Corupá e Schroeder).

Basicamente, um agente público (policial civil) e outros envolvidos (dentre eles, um Vereador e proprietários dos CFCs) estão sendo processados por corrupção ativa, passiva e organização criminosa pela nefasta propina, cujo processo reputa que esteja em fase de sentença condenatória. Provoca mal-estar saber que, no Brasil, segundo o IPEA e com referência de anos atrás, cada sinistro com vítima fatal, ocorrido nas rodovias federais, represente um custo médio de R$664.821,00, quando ao mesmo tempo se tem a informação de que a habilitação de motoristas possa ter sido conquistada sobre a moeda de troca equivalente ao preço de um café de esquina. Entretanto, isso não custou apenas 5 reais.

Considere, por exemplo, Jaraguá do Sul, com mais de 20 mortes oriundas dos sinistros no ano de 2023, juntamente com as lesões corporais (permanentes e temporárias) e os danos materiais, cujos eventos totalizaram 1.755 sinistros: estima-se que os custos ultrapassem 25 milhões de reais. Inclui-se a esses valores até a dor da alma daqueles que perderam seus entes queridos, embora, infelizmente, a violência que atinge a segurança viária em nosso país se mostra ainda com determinada anodinia, com certa naturalização pela sociedade em geral.

As causas dos sinistros são das mais variadas possíveis, mas nesse contexto se observa que os envolvidos na organização criminosa com a venda da avaliação da CNH – motoristas, agentes públicos e autoescolas – carregam em suas mãos manchas de sangue de cada vítima da violência no trânsito, em um contrassenso com a temática do Maio Amarelo, em que a paz começa por você. A região, composta por cinco municípios, representa uma frota veicular de mais de 210 mil veículos, com um registro efetivo de 182.160 pessoas com CNHs.

Este universo de habilitados é formado por uma pequena parcela de habilitados incapacitados e beneficiados pela nefasta suspeita da venda de CNHs por 5 reais, mas também composto por pessoas honestas e engajadas, como o movimento da Marcha do Silêncio, e por motoristas dignos e responsáveis, que almejam não apenas por um trânsito seguro e sustentável, mas também a Paz no Trânsito.


Antonio Benda da Rocha é Oficial da PMSC, Especialista em Gestão Operacional de Trânsito e Mestre em Direito Público pela FURB.

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