A – não – regionalização do saneamento na soma das contradições catarinenses. Por Haneron Victor Marcos

Haneron Victor Marcos escreve artigo em que discute as contradições e desafios enfrentados por Santa Catarina na regionalização do saneamento básico, destacando as dificuldades políticas e econômicas para universalizar o acesso ao saneamento no estado.

A falta de enfrentamento das contradições sociais e urbanísticas tem sido a fresta para o caos; o ponto de não retorno é realidade para muitas cidades. Santa Catarina é um estado positivamente diferenciado, é verdade, atestam os números. Mas as médias também escondem tragédias; entre duas pessoas e um quilo de arroz, a fria estatística nos diria que cada um foi alimentado com meio quilo de alimento. Mas – há sempre um “mas” – não raramente a lei do mais forte que nos persegue mostra que há aquele que come o bolo inteiro, deixando o outro faminto, mas sustentando uma média aceitável.

Em Santa Catarina ostentamos a “Dubai” brasileira. Uma Dubai que não retribuiu com uma saúde pública adequada, por exemplo. A população pobre, o trabalhador dessa “Meca” do investimento imobiliário, é empurrada a viver nos municípios vizinhos devido ao alto custo e sofre com as consequências. Por ironia da Lei do Retorno, devolvem seu esgoto não tratado de Camboriú ao cobiçado litoral.

E falando em esgoto, surge mais uma contradição catarinense: a zona do rebaixamento na corrida pela regionalização do saneamento. Nosso estado é um dos últimos – e está prestes a ser o último – a definir e executar um modelo de regionalização do saneamento, figura imposta pela Lei Federal nº 14026/20 (erroneamente chamada de “novo marco do saneamento”), que alterou a Lei Federal nº 11445/07, Lei Nacional do Saneamento Básico.

A visão retrógrada de que o município detém titularidade plena quando em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas, já havia sido superada pelo Supremo Tribunal Federal, a exemplo da ADI 1842/RJ. Assim constitucionalmente definido, ao legislador ordinário competia regular o que passou a ser princípio fundamental (art. 2º, XIV, da Lei Federal nº 11445/07). Definiu (art. 3, VI) as modalidades, podendo ocorrer por (a) região metropolitana, microrregião ou aglomeração urbana, (b) unidade regional de saneamento, ou (c) por bloco de referência, pela União, de maneira subsidiária em caso de omissão estadual.

A administração regional e cooperativa não é ambição nova; remonta ao Plano Nacional de Saneamento (Planasa) impulsionado em 1971, ambiente de criação das Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB), e que permitiu a criação de subsídios cruzados, com tarifas estadualizadas e módicas cuja sinergia com recursos federais possibilitou um salto nos índices de cobertura.

O estado brasileiro relaxou, e, à míngua de fontes orçamentárias e de profissionalismo na gestão de muitas CESB, surgiu a Lei Nacional de Saneamento Básico (nº 11445/07) para regulamentar e profissionalizar o setor, o que de fato aconteceu. No entanto, o caráter mercantil ainda impregnado no que é um direito humano exigiria, para a almejada universalização, saltos tarifários impeditivos, nunca arriscados. E, quando novamente inocorrente um realista enfrentamento orçamentário por todos os entes federativos, e inocorrente uma cobrança efetiva dos preceitos legais, o mercado, em conformação neoliberal, viu no perfil político-ideológico do Governo Federal e do Congresso Nacional de 2020 a possibilidade de emplacar uma lei absolutamente ideologizada: caberia ao setor privado destravar o caminho para a universalização valendo-se da Lei Federal nº 14026/20. Sem avançarmos ao mérito ou demérito, é fato que o Brasil caminhava – e segue caminhando – na contramão da tendência mundial, de reestatização desses serviços essenciais, prestados em monopólio natural.

É evidente que o mercado sempre esteve voltado para concessões lucrativas, superavitárias. Contudo, a realidade da Faria Lima não é a mesma de Rio das Antas. E, em estados como Santa Catarina, com uma plêiade de pequenos e deficitários sistemas, como chegaremos à universalização com modicidade tarifária sem a presença do Estado?

Em resposta às críticas ao novo modelo, que sufoca as CESB e arrisca o subsídio cruzado tarifário constituído há décadas, argumentavam os lobistas que na regionalização voluntária – por altruísmo dos gestores de sistemas superavitários – residiria a solução. No entanto, esse cenário segue distante passados quatro anos de vigência da lei federal.

Em 2022, ainda sob Governo Moisés, Santa Catarina propôs a regionalização por onze regiões metropolitanas (PLC nº 1.8/22). Naufragada a tentativa pelo fim da legislatura, o Governo Jorginho apresenta à ALESC uma nova proposta: a regionalização por uma única microrregião (PLC nº 040/23), com câmaras técnicas que representam os sistemas privatizados, os municipalizados e aqueles administrados pela CASAN. Não se trata, em essência, de uma inovação; mais de uma dezena de estados praticam esse modelo de regionalização que preserva as concessões privadas e serviços municipais de saneamento preexistentes, e constitui um colegiado em que o estado participa com 40% dos votos, e os municípios 60%, em relação já testada em precedente do STF.

O PLC nº 040/23 é, sem dúvida, um dos mais importantes projetos correntes, pois crucial para a universalização do direito humano ao saneamento. Entretanto, rema contra movimentos municipalistas egoísticos e sem respostas construtivas, e contra um processo dialógico lento e não muito saudável entre poderes, sem uma postura decisiva do Governador.

A regionalização é condição para garantir segurança jurídica aos operadores, nisso implicando a possibilidade de regularização de contratos e de obtenção de recursos menos onerosos; além de acesso a recursos federais a partir de 2025 (Decreto Federal nº 11599/23). Aos gestores, interessa também para ampliar o – não factível – prazo final de universalização (31/12/2033) para 1º de janeiro de 2040.

Ambição de todos os players públicos e privados “sérios” do setor (e não daqueles que sobreviveram no estado por contratos emergenciais, muitas vezes estampados nas páginas policiais), o tema é mais uma contradição a ser superada. Muitas das forças políticas que hoje travam a solução estão, neste momento, buscando votos, lustrando seus perfis nas redes sociais com perfumarias. O eleitor deve questionar, nesse caso, para qual direção remam.

As eleições municipais, sabemos, amainam o fluxo de trabalho na ALESC. E, a seguir o anêmico empenho, Santa Catarina deve ficar na lanterninha nacional aguardando votação em 2025. Não vamos avançar nas perspectivas de implementação, após aprovação do PLC. Por ora, basta um fato desolador.


Haneron Victor Marcos é doutor em Gestão Pública e Governabilidade

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