A Coluna Literária aborda o lançamento do livro que polemiza o construção histórica da tradicional culinária italiana. Carlos Stegemann também aponta o romance que é a obra definitiva sobre a Revolta dos Muckers, mostra o que a jornalista Ângela Bastos está lendo e a pergunta ao poeta Alcides Buss sobre a Política Nacional de Leitura e Escrita.
“As mentiras da nonna” – o (falso) marketing da culinária tradicional italiana
Alberto Grandi é um professor universitário italiano, especialista em história da alimentação e autor de um dos mais polêmicos lançamentos recentes. “Denominazione di Origini Inventata”, que chegou ao Brasil com o título “As mentiras da nonna” (Editora Todavia), na qual derruba muitos conceitos que cozinheiros, críticos de gastronomia e jornalistas propagam por décadas e que expressam o significado da culinária italiana. Para Grandi, o que conhecemos como comida italiana não tem mais do que 50 anos de existência e deve ser atribuída aos 25 milhões de imigrantes italianos dispersos pelo mundo.
A pizza napolitana, por exemplo, teria um dever de gratidão aos pizzaiolos paulistanos. E pratos tido como tradicionais ganharam sofisticação e qualidade nos Estados Unidos. Em resumo, o autor defende que a identidade gastronômica italiana foi formada no exterior, antes de se consolidar na sua origem. Nada disso, é claro, vai estragar nosso apetite por um carbonara, qualquer que seja sua versão.
Assis Brasil e a obra definitiva sobre a Revolta dos Muckers
Recentemente, a trágica Revolta dos Muckers completou 150 anos. Um grupo de imigrantes alemães, seus descendentes e colonos locais, instalados no interior do atual município gaúcho de Sapiranga, no Vale do Rio dos Sinos, criaram uma comunidade religiosa, liderada por Jacobina Mentz Maurer. Vivendo em abandono social, empobrecidos e isolados, desgarraram-se de católicos e protestantes, rejeitaram o ensino formal e criaram interpretações peculiares da bíblia, além de práticas de curandeirismo. A popularidade de Jacobina cresceu e os muckers, assim chamados porque o termo em alemão está associado a fanatismo, chegou a algo entre 700 e mil adeptos.
A expansão da seita criou atritos filosóficos e conflitos armados de seus seguidores com católicos e protestantes e a violência recorrente mobilizou primeiro as forças de segurança da época, impotentes diante do ímpeto dos muckers, que mesmo precariamente armados, conheciam o território e expulsaram os soldados sem dificuldades. Foi preciso a intervenção do exército imperial, liderado por oficiais com experiência na Guerra do Paraguai, para aniquilar os fanáticos. Um final brutal, que deixou máculas por décadas na região e muitas vezes foi comparada à Guerra de Canudos. Uma história que revela muito sobre opressão, intolerância e abuso de autoridade, além da realidade daquele núcleo de colonização alemã.
A Revolta dos Muckers gerou muitas teses acadêmicas, livros e filmes, porém considero o romance de Luiz Antonio de Assis Brasil, ‘Videiras de Cristal’ (1990), como a obra definitiva. Assis Brasil, um dos maiores nomes da literatura contemporânea brasileira, recria o ambiente (em seu mais amplo sentido) e os personagens de maneira inigualável. O mérito não está só em sua privilegiada competência da narrativa plurivocal, mas também na apurada pesquisa que precedeu a produção.
Uma coincidência interessante: Assis Brasil escreveu parte do livro no balneário Armação do Itapocorói, no município de Penha, litoral norte catarinense.
O que Ângela Bastos está lendo?
Santo Guerreiro: Roma Invicta, de Eduardo Spohr, um romance histórico que tem São Jorge como protagonista. É uma trilogia e o terceiro livro está prometido pelo autor ainda para 2024. O primeiro volume é sobre a infância de São Jorge, e ele nem apareceu muito, ao contrário do pai, um oficial romano da guarda imperial e a mãe, uma jovem cristã. Tenho muito apreço por São Jorge, talvez pelo samba, mas nunca tinha pensado sobre como teria sido a vida do menino Georgios, seu nome grego, santo reverenciado em diferentes religiões. O livro tem 500 páginas e depois virão “Ventos do norte” e “Império do leste”. Os dois primeiros exemplares me foram presenteados por um amigo querido, o Marcão do Violão, a quem prometi ir contando à medida que a leitura avançasse.
Uma pergunta para Alcides Buss
No último dia 05 de setembro o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o decreto que instituiu a ‘Política Nacional da Leitura e Escrita’, uma iniciativa ampla e pretensiosa – e estratégica para um país cuja população praticamente não lê e não frequenta bibliotecas. Perguntamos ao escritor Alcides Buss o que fazer para que essa não seja mais uma lei fadada ao fracasso.
Em matéria de leitura de livros o Brasil está no prejuízo. De início, é preciso resgatar a relevância social do escritor, hoje um zé-ninguém, um grande desconhecido. Os jovens e crianças precisam ter em quem se espelhar e até mesmo imitar. E é preciso também resgatar a leitura como ocupação prazerosa. Há muita coisa a ser feita. A integração entre educação e cultura é fundamental. Professores e alunos serão os grandes aliados, junto com as bibliotecas e instituições culturais.
Arte em destaque: Luciano Martins.
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