Reputações líquidas: a maré virou, e ninguém está em terra firme

“Vivemos tempos líquidos”, escreveu Zygmunt Bauman, com a precisão filosófica que só um sociólogo poderia ter. Na era da modernidade líquida, as estruturas antes sólidas — o tempo, os vínculos, as instituições — perderam a rigidez. Tudo se dissolve, se molda e muda de forma. Talvez o fenômeno seja ainda mais intenso quando falamos de reputações.

O que antes era um patrimônio cultivado com paciência, hoje se transformou em um ativo volátil, sujeito às marés imprevisíveis do feed, aos ventos do algoritmo e aos julgamentos sumários da opinião pública digital. 

Um caso recente e emblemático ilustra essa nova realidade: o escândalo envolvendo o prefeito de Sorocaba, “queridinho” das redes sociais, agora alvo da Polícia Federal. Ao ser atacado, correu para a internet, adotando a estratégia que o consagrou: a zombaria. Num  cenário em que a velocidade impera sobre a verdade, a imagem pública deixou de ser um processo de construção. Passou a ser uma reação instantânea, muitas vezes fugaz e sem espaço para reflexão.

Nesses tempos líquidos, não se trata mais de evitar erros — porque eles virão, de uma forma ou de outra. O verdadeiro diferencial está na maneira de reagir a esses erros. Preservar uma boa reputação hoje é um exercício contínuo de escuta ativa, prontidão para agir e, acima de tudo, autenticidade. E aqui surge o paradoxo que todo estrategista conhece bem: quanto mais volátil o ambiente, mais crucial se torna a coerência. Em um cenário instável, manter a consistência é quase revolucionário.

Esse desafio se reflete, por exemplo, nas empresas que pregam a diversidade e inclusão em suas campanhas, mas falham em implementá-las internamente, silenciando as vozes das minorias. A dissonância entre o discurso e a prática não é algo que o público ignore — ao contrário, ele exige que a coerência seja mais do que um slogan. O público pode perdoar um deslize ocasional, mas não tolera a hipocrisia.

A imprevisibilidade virou regra. Quem ainda trata a crise como uma exceção está, inevitavelmente, atrasado. Em tempos líquidos, ter protocolos claros de resposta, equipes treinadas e cenários simulados não é apenas uma medida de prudência — é uma questão de sobrevivência. A diferença entre enfrentar uma crise e sofrer um colapso pode estar em minutos, ou até segundos.

CEO ou Influenciador?

Com o protagonismo crescente dos CEOs, que agora ocupam o espaço híbrido entre executivos e influenciadores, a liderança tornou-se um dos pilares mais expostos da reputação institucional. A gestão da imagem dos líderes não é sobre vaidade; é sobre gestão de risco. Cada ato, cada palavra, impacta diretamente a percepção pública da empresa que representam.

E, ao falar sobre transparência, um dos valores mais exigidos pela sociedade atual, é preciso destacar que ser transparente não significa expor-se indiscriminadamente. Não se espera que marcas revelem tudo o tempo todo, mas sim que sejam humanas. Que transmitam verdade nas ações e nas palavras. A transparência exige equilíbrio, o que não significa um desnudamento excessivo.

Assim, a reputação, hoje mais fluida do que nunca, não perde sua importância; pelo contrário, torna-se ainda mais valiosa, mas também mais desafiadora de manter. Como bem alertou Bauman, “na era da modernidade líquida, nenhuma forma social tem tempo para se solidificar.”
É nesse cenário volátil, quase imprevisível, que a reputação precisa ser não apenas gerida, mas compreendida como um organismo vivo, que se adapta, evolui e responde às exigências de um mundo em constante mudança.

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