A quem interessa a “pejotização” nas relações de trabalho

Já são, pelo menos 18 milhões de pessoas com alguma empresa criada para atender demandas de terceiros. Foto: Unsplash

Dados do Departamento Intersindical de Estudos Sociais e Estatística (Dieese) e, também do IBGE, mostram: em 2015, um em cada doze trabalhadores atuavam como pessoa jurídica (PJ) a serviço de outra pessoa ou empresa. Eram 8,5% do total de brasileiros com trabalho nessa situação jurídica.

Em 2023 o percentual subiu para 14,1% do conjunto da mão de obra Nacional.

Significa dizer que já são, pelo menos 18 milhões de pessoas com alguma empresa criada para atender demandas de terceiros.

A esmagadora maioria delas são microempreendedores individuais (os MEIs), a constituírem negócios próprios.

Certamente, não porque acreditam que vão ficar ricos. Mais provavelmente porque essa situação – a criação de uma MEI – lhes foi imposta porque o seu ex-empregador o forçou a isso para manter a prestação de serviços, sem querer o ex-empregador precisei pagar os direitos trabalhistas.

Sim. A “pejotização” retira o direito a férias, 13 salário, FGTS e recolhimento patronal da cota do INSS.

Na prática, tornar-se PJ significa disfarce e uma forma de se burlar a legislação trabalhista e, no limite, a própria Constituição Federal.

A explicação é simples: em grande parte das relações entre empresas e profissional PJ, ainda continua a relação empregador/empregado. Apenas muda a expressão, porém a dependência econômica e de trabalho não se desfaz.

A “pejotização” está na pauta dos ministros do Supremo Tribunal Federal (Tema 1389) e a decisão que for tomada pela Corte ditará os rumos do modelo de trabalho que o país vai ter no futuro.

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional encaminhou parecer ao STF. No texto argumenta em relação aos efeitos da “pejotização” sobre a arrecadação tributária e sobre o financiamento da Previdência Social.
A PGFN explicita: só em 2017, quando foi aprovada a terceirização da atividade-fim das empresas, teve impacto de R$ 89 bilhões na arrecadação fiscal

Mais: a estimativa do professor da Fundação Getúlio Vargas, o economista Nelson Marconi, é de que o valor não recolhido será de R$ 380 bilhões quando a “pejotização” alcançar 50% dos trabalhadores em todo o país.

Ele aponta outro efeito: essas empresas de uma só pessoa, pagam tributos pelo Simples Nacional. Portanto, isentas de recolhimento de dividendos e lucros.

Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, do STF, fez um importante alerta: “o reiterado descumprimento” da decisão do STF, que autorizou a terceirização da mão de obra, em 2018, implica em infração séria contra a legislação em vigor.

Alguns dirão, com enorme grau de desfaçatez: ” basta o trabalhador não aceitar se tornar Pessoa Jurídica”.

Sim. A opção existe: ficar sem trabalho.

Nestes tempos atuais, cada vez mais se exalta a figura do “empreendedor”. Numa clara evidência de que as relações empregado/empregador estou ruindo.

O que se diz, aqui, é que o empreendedor, aquele realmente com tino e vocação para ser empresário, é absoluta minoria dentre os MEIs criados forçosamente para manterem seu sustento.

Para contextualizar: o governo do Estado de Santa Catarina, via Junta Comercial (Jucesc) informa: cresceu em 31% o número de empresas abertas no primeiro trimestre deste ano, na comparação com igual período de 2024.

A expansão é recorde desde o início do levantamento da série histórica.

Foram criadas 42.453 empresas no Estado, entre janeiro e março deste ano. No mesmo período do ano passado surgiram 32.169 novos negócios.

Com destaque para os segmentos de transporte e armazenagem; comércio; e de atividades administrativas e de reparação de veículos.

São ex-empregados que, de repente, se tornaram donos de seus negócios. Sem dúvida, a esmagadora maioria deles não tem formação adequada para gerir uma empresa. Por menor que seja.

Assim caminha a roda da economia. Sempre se inventa modelos concentradores de renda. A história econômica nos mostra isso desde antes dos fenícios.
O que muda é a sofisticação dos processos.

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