Quando o gesto fala mais que o dogma: a comunicação não verbal do Papa Francisco

Em se tratando de comunicação, o Papa Francisco sempre soube o que fazer. Não só no que dizia, mas especialmente no que comunicava sem dizer.

Os abraços, sorrisos e olhares que oferecia a quem, por tanto tempo, foi ignorado pela Igreja construíam uma narrativa poderosa.

Não é por acaso que, em todo o seu pontificado, Francisco foi a imagem viva de uma Igreja mais humana, próxima e aberta. Ou, pelo menos, que parecia ser.

E esse “parecia ser” não é uma crítica — é um fato.

Porque o gesto certo na hora certa, amplificado pelas redes sociais, cria um efeito poderoso: vira símbolo.

Os gestos não verbais de Francisco circularam o mundo e se transformaram em narrativas midiáticas — e, nesse processo, a Igreja tentou se reposicionar.

Quer um exemplo prático? O abraço em uma mãe solteira e seu filho, em 2017, durante uma cerimônia pública. A cena, claro, viralizou e foi parar em sites como o ACI Digital, que destacou em manchete o pedido de Francisco para que mães e pais solteiros fossem acolhidos, não marginalizados.

É aí que a mágica acontece. Porque esse gesto foi muito além do evento em si. Ele criou uma imagem-símbolo que se fixou no imaginário coletivo: o Papa acolhedor, do abraço, aquele que quebrou barreiras.

Mas esse gesto também provocou tensão no Vaticano. Porque, ao mesmo tempo que ele acolhia com o corpo, a doutrina da Igreja seguia firme no conservadorismo, sem necessariamente se mover na mesma direção.

Essa mesma lógica apareceu quando Francisco, ao ser questionado sobre os homossexuais, disparou: “Quem sou eu para julgar?”. A frase, somada aos gestos de acolhimento, construiu uma nova percepção pública da Igreja. Mas, na prática, permaneceu tudo igual.

Ou seja, os gestos de Francisco foram capturados, replicados, ressignificados.

Outro caso clássico foi a repercussão da fala sobre acolhimento de divorciados e homossexuais, publicada no Portal G1 em 2016, com a manchete: “Papa fala sobre acolhimento de homossexuais e divorciados”.

A notícia viralizou, mas gerou mais uma vez tensão interna — entre o que o gesto (ou a fala) comunicou e o que a instituição pratica.

E não é só o que o Papa fez — é como isso circulou e reverberou, gerando múltiplas interpretações. O gesto é símbolo, mas também é campo de disputa.

A lição pra quem comunica é clara: o corpo como estratégia. A comunicação do Santo Padre era atravessada pela lógica das redes sociais, onde as imagens falam tão alto quanto (ou mais que) as palavras.

Políticos, gestores, líderes em geral: aprendam com Francisco. Não é só o que você diz. É como você olha, como você gesticula, como você se posiciona fisicamente.

Mas — e o Papa também ensinou isso — gesto sem ação concreta tem prazo de validade. O abraço do Papa acolheu, mas a doutrina não mudou e manteve o muro erguido. A comunicação não verbal abre portas, mas precisa de políticas que sustentem essa abertura.

Francisco seguiu nesse fio da navalha: entre o gesto e a tradição, entre o acolhimento e o dogma, entre a narrativa e a realidade.

Francisco dominava os gestos. Mas não foi o único mestre nisso. Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, sabia exatamente quando deixar o corpo falar.

Sorriso calculado, olhar firme, pausa dramática no discurso. O corpo dele tinha timing. E teve um gesto que virou história: o aperto de mão com Raúl Castro em 2016, durante a visita histórica a Cuba.

Não foi só um cumprimento. Foi um sinal global de aproximação diplomática, depois de décadas de gelo entre os dois países. Um gesto simples, mas que gritou simbolicamente para o mundo inteiro: as coisas estão mudando. A foto correu o planeta e, mesmo com críticas de ambos os lados, o gesto ficou.

Francisco fez o mesmo. Abraçou refugiados, acolheu quem a Igreja tradicionalmente afastou, distribuiu sorrisos e escutou com o corpo. Só que — assim como Obama — ele sabia que o gesto certo, amplificado na hora certa, vira narrativa.

Mas, como Obama e Francisco mostram, o gesto precisa estar alinhado com a prática — com algo que sustente a mensagem. Senão, vira teatro.

Fica o recado: o que você comunica com o corpo? Porque, no fim, gesto é discurso. E quem sabe usá-lo, conquista mais do que atenção. Conquista respeito.

Imagem fictícia gerada por Inteligência Artificial.

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