Divórcio liminar: marco na autonomia e proteção das vítimas. Por Sabine Müller Souto

Por Sabine Müller Souto, advogada processualista civilista.

Em recente decisão inédita, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento de que o divórcio pode ser decretado liminarmente, ainda que haja resistência da outra parte, sem a necessidade de o juiz aguardar a citação ou manifestação do cônjuge requerido.

A relatoria coube à ministra Nancy Andrighi, cuja fundamentação se baseou na Emenda Constitucional 66/2010, que suprimiu a exigência de separação prévia ou qualquer outro requisito temporal para a dissolução do vínculo conjugal. O caso concreto envolveu uma mulher vítima de violência doméstica, que buscava não apenas a dissolução do casamento, mas também medidas relacionadas à guarda dos filhos e à partilha de bens. Diante da urgência e da violação de direitos fundamentais, o STJ autorizou a decretação imediata do divórcio, com base no direito potestativo do requerente, ou seja, um direito que independe da vontade da outra parte.

A decisão representa um avanço significativo na jurisprudência brasileira, reafirmando a ideia de que o casamento é um instituto da autonomia privada, e que ninguém pode ser forçado a permanecer em uma união contra a própria vontade. Mais do que isso: reforça a proteção jurídica de pessoas vulneráveis, especialmente mulheres, em contextos de violência, evitando a perpetuação de vínculos formais com agressores.

Além do impacto individual, essa decisão tende a repercutir nos tribunais de todo o país, orientando juízes e juízas a aplicar com mais celeridade e sensibilidade os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade de gênero. Ao reconhecer o divórcio liminar como medida legítima e eficaz, o STJ também envia um recado à sociedade: os direitos das vítimas não podem ser condicionados à burocracia judicial nem à vontade de quem pratica abusos.

O precedente abre espaço para novos pedidos liminares em ações de divórcio e pode, inclusive, alterar a prática forense em diversas comarcas, ao incentivar o julgamento mais célere de situações que envolvem risco à integridade física, emocional e patrimonial dos envolvidos.

Em tempos de retrocessos e tensões sociais, decisões como essa demonstram que o Judiciário ainda pode ser instrumento de emancipação, de liberdade e de justiça.

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