Quem não deve não tem

A frase é antiga e expressa a percepção do comportamento permissivo dos consumidores com o dinheiro, numa sociedade desigual onde o modelo predominante é fazer compras a prazo no cartão de crédito e no crediário de loja, sem se importar se (e quando, e como) vai pagar as contas.

O retrato disso está nos números do Serasa Experian.

Os dados mais recentes de 2025 mostram: há 77,8 milhões de brasileiros endividados. Só em Santa Catarina são mais de 2 milhões e 300 mil inadimplentes.

Várias razões podem ser relacionadas a isso.

A febre consumista de gente com emprego (vivemos um período de pleno emprego e massa salarial crescente); a inflação alta e acima do teto da meta prevista pelo Banco Central; e assim, empurrando os juros para cima.

A consequência é o encarecimento do custo de crédito e de financiamento, a estimular essa roda viva de auto enganos.

Os juros básicos (Selic) estão em 15 por cento ao ano, taxa historicamente elevada. O Brasil tem a segunda taxa de juros mais cara do mundo. Só a Turquia prática percentual mais alto.

Esse conjunto de fatores também explica o apetite dos investidores (nacionais e estrangeiros) em aplicar seus dólares por aqui: a remuneração compensa.

Do lado das empresas, o endividamento também é expressivo.

De acordo com o Serasa, em 2024 havia 6,9 milhões de empresas inadimplentes. São 300 mil a mais do que um ano antes. Do total, 6,5 milhões delas são micro ou pequenas empresas.

O povo não consegue pagar suas contas; as empresas reclamam da tributação excessiva.

E o Congresso Nacional, por meio de deputados e senadores vinculados ao que se denomina Centrão (grupo de parlamentares que sequestraram as pautas de direita e impedem projetos sociais e redistributivos) está preocupado com festas de São João e projetos de anistia aos criminosos do 8 de janeiro, por exemplo.

Claro que o Executivo também tem duas responsabilidades. Incapaz de dialogar com os deputados de direita (que são a grande maioria) perdeu o contato com o povão, com a massa eleitoral que elegeu Lula três vezes.

Ao mesmo tempo está enredado no descontrole fiscal e busca equacionar parte do problema pela via de mais impostos.Nesta perspectiva, o embate entre governistas e oposição bolsonarista será cada vez mais radicalizado nos próximos 16 meses, até as eleições de outubro de 2026.

O interesse pelas necessidades do povo fica bem distante.

Todos sabem disso. E somente os lobbies poderosos impõem suas vontades. Então, como o futuro é incerto, vamos viver o presente.

É com esse olhar que o hoje acontece e o mundo gira: com compras de comida feitas a prazo, viagens, vinho, boletos e dívidas. E muitas dúvidas.

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