A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta segunda-feira é a crônica de um descumprimento anunciado. Em um despacho de 25 páginas, o magistrado detalha o que considera uma estratégia deliberada do ex-chefe de Estado para burlar as medidas cautelares impostas em julho e continuar a praticar os atos pelos quais é investigado, como coação no curso do processo e obstrução de investigação.

O estopim para o agravamento das sanções foi a participação de Bolsonaro, por telefone, em uma manifestação de apoiadores em Copacabana, no Rio de Janeiro, no último domingo, 3 de agosto. Para Moraes, o episódio não foi um ato isolado, mas a execução de um “ilícito modus operandi” previamente delineado. A estratégia consistia em criar o que o ministro chamou de “material pré-fabricado” — discursos, imagens e áudios — para ser disseminado nas redes sociais por terceiros, notadamente seus filhos e aliados políticos.
Na decisão, Moraes destaca que a ligação de Bolsonaro foi amplificada em um carro de som por seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL), que também publicou uma foto do pai ao telefone, com a tornozeleira eletrônica à mostra. O ministro interpretou o ato como uma produção “dolosa e conscientemente” de conteúdo para “tentar coagir o Supremo Tribunal Federal e obstruir a Justiça”. O fato de o senador ter apagado a postagem horas depois foi visto como um “claro intuito de omitir o descumprimento das medidas cautelares”.
Moraes argumenta que a ação foi coordenada e cita o envolvimento de outros atores. A decisão menciona postagens dos filhos Carlos e Eduardo, além de uma chamada de vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL) com Bolsonaro durante o ato. Para o ministro, tudo fazia parte de uma engrenagem para manter o ex-presidente em evidência e suas mensagens de ataque às instituições circulando, contornando a proibição expressa de usar redes sociais “diretamente ou por intermédio de terceiros”.
Diante do “reiterado descumprimento” e após já ter advertido que uma nova violação resultaria em prisão, Moraes endureceu as medidas. A nova ordem judicial inclui:
- Prisão domiciliar integral, a ser cumprida em seu endereço residencial.
- Proibição de visitas, com exceção de seus advogados e outras pessoas previamente autorizadas pelo STF. Os visitantes, aliás, estão proibidos de usar celulares ou fazer qualquer tipo de gravação.
- Proibição do uso de celular, diretamente ou por meio de terceiros.
- Busca e apreensão de quaisquer celulares em posse de Jair Bolsonaro.
Ao justificar a decisão, Moraes foi contundente: “A Justiça é cega, mas não é tola”. E acrescentou: “A Justiça não permitirá que um réu a faça de tola, achando que ficará impune por ter poder político e econômico”. O recado é claro: para o ministro, a paciência do Judiciário com Jair Bolsonaro chegou ao fim.