Artigo de Cassio Biffi, advogado e presidente do Instituto dos Advogados de SC

Essa desarmonia institucional, que antes parecia episódica, tornou-se sistêmica. Não mais se trata de ruídos entre esferas de poder, mas de um embate constante, intensificado por decisões judiciais de forte repercussão política e ausência de precedentes que tensionam a estrutura constitucional originalmente desenhada.
Um exemplo simbólico dessa inflexão foi o início dos inquéritos das Fake News, instaurados de ofício pelo Supremo Tribunal Federal. Embora sustentados no imperativo da proteção institucional da Corte, tais atos abriram caminhos inéditos — e questionáveis — em termos de competência e protagonismo judicial.
O STF, ao acumular funções investigativas, acusatórias e julgadoras no mesmo processo, inaugurou um novo arranjo de questionável poder constitucional, abrindo precedentes que podem vir a ser instrumentalizados por futuros ocupantes de cargos, de qualquer espectro ideológico, levantado pelo Ministro aposentado Marco Aurélio.
Esse novo tipo de centralização de poder, mesmo quando motivado por legítima preocupação com a integridade democrática, carrega em si o risco de desvirtuamento do sistema de freios e contrapesos. Há uma tênue linha entre proteção institucional e desequilíbrio estrutural. E essa linha está sendo, cada vez mais, atravessada sob os aplausos de conveniência ou o silêncio de omissão.
Mas esse conflito não é apenas jurídico ou político-institucional. Ele alcança a infraestrutura econômica do país, com impactos comerciais e diplomáticos sérios.
Hoje, os instrumentos de política monetária e tecnológica — como o Pix, o SPB, o blockchain, as CBDCs, o SWIFT, e novas legislações como o GENIUS Act americano — estão se tornando ferramentas de barganha, influência e até chantagem geopolítica.
O sistema SWIFT, por exemplo, já foi utilizado como arma de sanção e exclusão de países, em casos extremos. O Pix, embora nacional, desperta o interesse de integração a redes internacionais de pagamento, e por isso vem sendo ameaçado. A estrutura de blockchain e o avanço das moedas digitais emitidas por bancos centrais e stablecoins estão redesenhando o tabuleiro de poder global, antes dominado por instituições financeiras tradicionais e não está sendo visto, por quem não tem olhos para ver.
Os Estados Unidos, com o GENIUS Act, buscam assegurar supremacia nas tecnologias emergentes de transferências internacionais de remessas de dinheiro, impedindo que determinados países assumam protagonismo em áreas estratégicas, especialmente, a infraestrutura blockchain. O Brasil, por sua vez, permanece vulnerável por ainda não ter uma política externa tecnológica estruturada, deixando a diplomacia digital refém das crises institucionais internas. Se os EUA fechassem as torneiras do sistema Swift, paralisaria o comércio exterior e acabariam as transações financeiras internacionais. É muito mais preocupante que um tarifaço, ego, polaridade política ou conflito de interesses.
A judicialização de temas sensíveis, a personalização de decisões, e o uso de instituições como instrumentos de agendas momentâneas colocam em risco a soberania regulatória, a previsibilidade jurídica e a segurança institucional necessárias para a inserção do Brasil na nova economia global.
Não há futuro para empresas tradicionais do país com utopia diplomática, tampouco para os $ 16 trilhões de dólares da economia tokenizada (Boston Consulting Group) que aguardam para adentrar ao país, desenvolver sua diplomacia digital ou seu protagonismo no sistema financeiro nacional ou mesmo comercial, se as bases do Estado Democrático de Direito estiverem corroídas, cegas ou obsoletas.
Mais do que nunca, o mês do advogado — celebrado em agosto — deve ser um momento de reflexão profunda sobre a função essencial da advocacia na administração da justiça. Cabe à advocacia institucional, atuar com firmeza e sobriedade para reequilibrar as relações entre os poderes, resgatar o pacto de harmonia e restaurar os limites constitucionais sem os quais não há liberdade nem desenvolvimento sustentável.
Não se trata de defender este ou aquele ator político, nem tampouco blindar condutas questionáveis sob o manto de prerrogativas. Trata-se de algo muito maior: o reposicionamento do papel do Brasil no cenário internacional, que depende diretamente da credibilidade de seu sistema de justiça e da coerência de sua governança interna.
O Brasil não pode pretender ocupar um lugar de liderança no G20, no BRICS+ ou em consórcios de inovação se continuar tolerando a desinstitucionalização progressiva dos seus próprios pilares republicanos. O advogado, como guardião da Constituição e do estado democrático de direito, deve assumir seu papel não apenas nos tribunais, mas nos debates estratégicos da reconstrução institucional do país.