A Operação Presságio, deflagrada pela Polícia Civil de Santa Catarina em 28 de junho de 2022, ganha mais um capitulo nesta segunda-feira. O upiara.net teve acesso ao relatório final da Polícia Civil de Santa Catarina que indicia seis envolvidos na operação.
A investigação revelou um suposto esquema de favorecimento à empresa Amazon Fort, responsável por contratos milionários de coleta de lixo em Florianópolis, na época governada pelo ex-prefeito Gean Loureiro (União Brasil). O principal nome apontado nas investigações é o do ex-secretário de Turismo de Florianópolis, Edmilson Pereira Júnior (Ed Pereira), citado 39 vezes no relatório final da Polícia Civil e indiciado por corrupção passiva, associação criminosa e fraude a licitação.
Segundo os investigadores, Ed teria atuado como articulador político para garantir a contratação da empresa e os sucessivos aditivos de contrato. A investigação mostrou troca de mensagens entre ele e a mulher, Samantha (que não foi indiciada) em que teria ficado claro não apenas que o investigado conhecia um dos sócios-proprietários, como também “detinha poderes de gestão na empresa Amazon Fort, antes mesmo da assinatura do contrato com o município de Florianópolis, antes mesmo da COMCAP anunciar paralisação total de seus serviços”. A greve da autarquia motivou a contratação emergencial.
Ed Pereira foi preso preventivamente no dia 29 de maio de 2024, acusado de articular propinas e vantagens em contratos investigados pela Operação Presságio – incluindo área de eventos. Ele ficou cerca de três meses detido, até que em 23 de agosto de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou sua soltura. A decisão considerou que ele era réu primário e não ocupava mais cargo público, autorizando a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares, como bloqueio de bens e entrega do passaporte.
As conversas
No relatório final da Operação Presságio, a Polícia Civil de Santa Catarina detalha que as conversas de WhatsApp foram obtidas por meio de mandados de busca e apreensão cumpridos durante a investigação. Os celulares apreendidos dos investigados entre eles Ed Pereira, Lucas Maia e Samantha Copetti, foram encaminhados para perícia digital, procedimento que possibilitou o acesso às trocas de mensagens.
Esse material periciado foi anexado ao inquérito e aparece citado ao longo do documento, sempre com referência às páginas e prints das telas das conversas. Foi dessa forma que a Polícia reuniu evidências do suposto envolvimento dos investigados.
Segundo a investigação, o esquema funcionava com um núcleo político e administrativo, composto por pessoas próximas a Ed Pereira, que teriam articulado nomeações, controle de funcionários e ajustes em contratos milionários.
O relatório lamenta que a impossibilidade de extrair os dados do celular de Ed Pereira tenha causado um “prejuízo significativo à investigação”, impedindo a identificação de outros possíveis envolvidos.
Quem são os indiciados
- Edmilson Carlos Pereira Junior, o Ed Pereira: Na época, Secretário Municipal de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis, apontado como o líder da organização criminosa. Foi indiciado por corrupção passiva, associação criminosa e por fraudar ou frustrar o caráter competitivo da licitação (conforme os artigos 317, 288 e 337-F do Código Penal, e art. 90 da Lei 8.666/93).
- Iuri Daniel Serrate Faria: Sócio-proprietário da empresa AMAZON FORT. Foi indiciado por corrupção ativa, associação criminosa e por fraudar ou frustrar o caráter competitivo de licitação (conforme os artigos 333, 337-F, e 288 do Código Penal, e art. 90 da Lei 8.666/93).
- Carlos Gilberto Xavier Faria: Sócio-proprietário da empresa AMAZON FORT. Foi indiciado por fraude em licitação, corrupção ativa, e associação criminosa (conforme o artigo 90 da Lei 8.666/93, e artigos 337-F, 333 e 288 do Código Penal).
- Gilliard Osmar dos Santos: Assessor e, segundo a Polícia, homem de confiança de Edmilson Carlos Pereira Junior. Foi indiciado por corrupção passiva e associação criminosa (conforme os artigos 317 e 288 do Código Penal).
- Fábio Gomes Braga: Secretário Municipal do Meio Ambiente. Foi indiciado por fraude em licitação e associação criminosa (conforme o artigo 337-F da Lei 8.666/93 e art. 288 do Código Penal).
- Lucas de Barros Arruda: Então, diretor Presidente da Companhia de Melhoramentos da Capital (COMCAP) na época dos fatos. Foi indiciado por fraude em licitação e associação criminosa (conforme o artigo 90 da Lei 8.666/93 e art. 288 do Código Penal).
O relatório também especifica que Samantha Brose Santos, esposa de Ed Pereira, não foi indiciada, pois “não há elementos indiciários que demonstrem a efetiva participação da investigada nos fatos relacionados à contratação da empresa Amazon Fort”.
Como funcionava o esquema, segundo a Polícia Civil
Aparência de emergência: A investigação começou a partir de denúncias sobre crimes ambientais, envolvendo a empresa Amazon Fort em um terreno na Passarela Nego Quirido. No entanto, a apuração revelou um padrão preocupante: a contratação da empresa foi feita de forma suspeita. O esquema utilizava, supostamente, a situação de emergência, como a greve dos trabalhadores da COMCAP e as fortes chuvas, como um pretexto para justificar a dispensa de licitação e a contratação direta da empresa.
Contratos direcionados e prolongados: A investigação notou uma “estranheza” na forma como a Amazon Fort, uma empresa do norte do país, conseguiu um contrato com a Prefeitura de Florianópolis com tanta agilidade. O documento afirma que houve um direcionamento na contratação. A empresa chegou a anunciar vagas de emprego em Florianópolis em suas redes sociais antes mesmo de o contrato ser assinado. O contrato foi prorrogado diversas vezes, mantendo a empresa por 17 meses consecutivos sem a necessidade de uma licitação.
Pagamentos em espécie: A Polícia Civil afirma que os pagamentos de propina eram feitos em dinheiro vivo para dificultar o rastreamento das transações. O dinheiro, supostamente, tinha como destino final Edmilson Pereira. O documento cita um provisionamento de saque de R$ 49.990,00 feito por um sócio da Amazon Fort, Carlos Gilberto Xavier Faria, para Gilliard Osmar dos Santos, assessor de Edmilson, para que ele realizasse o saque em espécie.
As provas citadas no inquérito
A Polícia Civil considerou “estranho” que um advogado e um empresário de Rondônia (referindo-se aos sócios da Amazon Fort, Carlos Gilberto Xavier Faria e Iuri Daniel Serrate Faria) sacassem grandes quantias de dinheiro em espécie em Florianópolis. Para a equipe de investigação, essa prática é “corriqueira em crimes de corrupção”, pois é usada para “burlar as comunicações obrigatórias das instituições bancárias ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF”, dissimulando a origem e o destino do dinheiro. A polícia deduziu que os valores sacados eram para pagamentos a servidores públicos ou políticos envolvidos no esquema.

O texto descreve o monitoramento dos empresários Carlos Gilberto Xavier Faria e Iuri Daniel Serrate Faria. A polícia os flagrou se encontrando com Edmilson Carlos Pereira Junior, então secretário municipal, e, no dia seguinte, com Lucas Barros Arruda (COMCAP) e Fábio Braga (Secretário do Meio Ambiente).
A prova do provisionamento de saque: A análise do sigilo bancário revelou uma transação específica: um “provisionamento de saque” da conta de Carlos Gilberto Xavier Faria (sócio da Amazon Fort) para Gilliard Osmar dos Santos, assessor e homem de confiança de Edmilson Carlos Pereira Junior. Este saque, no valor de R$ 49.990,00, foi feito em espécie por Gilliard no dia 27 de abril de 2021 em um banco no centro de Florianópolis, deixando um “importante vestígio” para a investigação.

Contradição no depoimento: O relatório também menciona que Edmilson Pereira teria negado ter uma relação estreita com Iuri Daniel Serrate Faria em uma entrevista a um telejornal (confira aqui), uma afirmação que a polícia considera ser “mais uma inverdade propalada pelo investigado”, reforçando as suspeitas.
A investigação ainda extraiu mensagens do celular de Samantha Brose, que revelam a estreita relação entre Edmilson e Iuri. Em áudios, o secretário de Florianópolis discute a contratação de funcionários para a empresa de Iuri, indicando que ele teria poder de gestão na Amazon Fort “antes mesmo da assinatura do contrato” com a prefeitura. Em um dos áudios, Edmilson chega a mencionar a necessidade de contratar “32 garis”.

A aquisição de um veículo por Ed Pereira por meio de pagamento integral em dinheiro vivo é destacada no relatório policial como uma evidência crucial do suposto esquema de corrupção. O documento aponta que, em setembro de 2020, Andrey Cavalcante sacou R$ 130 mil, valor que supostamente foi destinado a Ed. O relatório afirma que o ex-secretário usou o dinheiro para comprar um automóvel de R$ 77,9 mil, com a entrega do valor em espécie feita por seu assessor, Gilliard Osmar dos Santos. A polícia ressalta a atipicidade da transação e o fato de que Edmilson não apresentou uma versão plausível para a origem dos recursos, reforçando a tese de que o dinheiro era de origem ilícita.

Para a polícia, o acordo criminoso foi “comprado” pelos empresários da Amazon Fort, que destinaram um total de R$ 500 mil em pagamentos de propina, realizados em espécie ao longo de cinco saques mensais para dificultar o rastreamento. Uma das principais evidências que comprovam o acerto prévio, segundo o documento, é o fato de que a Amazon Fort já estava divulgando vagas de emprego em Florianópolis em suas redes sociais no final de 2020, antes mesmo da greve dos trabalhadores da Comcap, que foi usada como justificativa para o contrato emergencial.
O relatório ressalta que essa conduta demonstra um alinhamento entre a empresa e os agentes públicos, frustrando qualquer competição e culminando em um contrato de quase R$ 30 milhões que durou 17 meses sem licitação.

A Polícia inclui em seu relatório uma linha do tempo, para entendermos melhor as licitações.

O documento segue descrevendo que o contrato de quase R$ 9,3 milhões, assinado em 19 de janeiro de 2021, foi justificado por uma suposta situação de emergência, criada pela paralisação dos funcionários da COMCAP.
O relatório aponta para o que a Polícia chama de “claro direcionamento na contratação”. No mesmo dia em que a Diretoria de Licitação enviou e-mails a várias empresas, a Amazon Fort manifestou interesse. No entanto, o texto ressalta que a empresa de Rondônia não foi procurada pelo setor de licitações, mas se antecipou ao processo. Em contrapartida, uma outra empresa que também se manifestou, a Sigma Infraestrutura, teve sua proposta questionada e não foi considerada.

A polícia destaca a agilidade incomum da Amazon Fort, que teve seu sócio, Iuri Daniel Serrate Faria, em Florianópolis no dia seguinte para assinar o contrato. O relatório mostra que essa “agilidade” não teria sido uma coincidência, mas parte de um acordo prévio. Mensagens de celular de Ed Pereira e sua companheira, Samantha Brose, revelam que a empresa já estava se preparando para a contratação desde setembro de 2020.
A polícia sugere que a apresentação de projeto de lei referente à gestão da COMCAP pode ter sido uma manobra orquestrada para levar os funcionários à greve e criar a “emergência” que justificasse a contratação sem licitação. Ressalta, entanto, que “por ora, não há elementos suficientes para corroborar essa suposta artimanha enredada pelo Prefeito Municipal (Gean Loureiro), o Presidente da Câmara de Vereadores (Roberto Katumi à época) e outros envolvidos”.
O documento também ressalta a atuação de Gilliard Osmar dos Santos, assessor de Edmilson, que, segundo depoimento de Renato Mauro Ramos, foi o responsável por entregar o dinheiro para a compra de um carro. A polícia alega que Gilliard era uma espécie de “office boy para assuntos financeiros” e que a função dele na, suposta, organização criminosa era transportar o dinheiro em espécie.
Por fim, o relatório enfatiza que o contrato emergencial foi prorrogado, mesmo com o retorno da COMCAP, o que para a polícia é um sinal de que a “emergência” era apenas uma “cortina de fumaça” para um esquema de corrupção que durou 17 meses e gerou um contrato de quase R$ 30 milhões. A não abertura dos dados do celular de Edmilson Pereira foi um “prejuízo significativo” para a investigação, impedindo a identificação de outros possíveis envolvidos. Mesmo assim, o relatório conclui que a conduta de Edmilson Pereira se enquadra no crime de corrupção passiva.
Relatório final não aponta crimes ambientais
A ironia da Operação Presságio é que ela nasceu para apurar um crime que, ao final, não foi comprovado. O inquérito foi instaurado para investigar a possível poluição causada pelo lixo acumulado no terreno ao lado da Passarela Nego Quirido, no Centro de Florianópolis, durante a greve da Comcap em janeiro de 2021. Contudo, o relatório final da Polícia Civil descarta essa hipótese, baseando-se no Laudo Pericial da Polícia Científica, que se mostrou inconclusivo e não conseguiu afirmar se os resíduos efetivamente contaminaram o solo ou a água.
Outra frente ambiental, a de operação de atividade poluidora sem a devida licença, mirou a empresa Argailha, contratada para o transbordo dos resíduos. Os investigadores concluíram que a empresa de fato atuou com uma licença inadequada para o serviço. No entanto, o relatório aponta que esta infração não resultará em punição, pois o crime prescreveu em janeiro de 2024, três anos após o ocorrido, o que levou à extinção da punibilidade. Assim, o viés ambiental que deu origem à investigação foi legalmente encerrado, deixando o caminho livre para o foco nos crimes contra a administração pública.
O que dizem os indiciados
Lucas Arruda:
Nota do advogado, Pedro Teixeira. Schramm e Advogados associados.
Todos os crimes anteriormente atribuídos ao Lucas Arruda, no relatório inicial da Polícia Civil sobre a Operação Presságio, não foram confirmados.
O crime ambiental, que deu início ao processo, conforme o próprio relatório, não se confirmou.
A movimentação financeira de Lucas, igualmente questionada no relatório inicial, se demonstrou 100% lícita, tanto que saiu do relatório final.
Observa-se que Lucas foi o único investigado que se disponibilizou e deu seu depoimento a polícia na fase de inquérito.
Sobre o contrato da empresa Amazon Fort, Lucas, enquanto Diretor Presidente da Comcap era o único servidor da Prefeitura que tinha autorização legal de SOLICITAR a contratação, que após concluída pela Secretaria de Administração da Prefeitura, gerou Contrato entre Prefeitura e Amazon, que o então presidente da Comcap assinou. Assim como assinou mais um dezena de contratos durante a greve dos servidores da Comcap.
Portanto, Lucas está sendo acusado de algo, pelo simples fato de exercer sua função de servidor público, a época. E isso será facilmente observado pelo juiz que receber o processo, onde faremos a defesa do Lucas no momento oportuno.
Quanto as suspeitas de outras pessoas envolvidos em crimes, não cabe a nós fazermos manifestação, e sim a competente polícia civil e ao Ministério Público de Santa Catarina.
Todas as defesas dos indiciados foram procuradas pela reportagem do upiara.net. A postagem será atualizada a cada manifestação.