Perdão, Moisés, porque não conseguimos te salvar. Por Marlene Fengler

Artigo de Marlene Fengler, Secretária-geral da ALESC

Perdão, Moisés! Perdão porque não conseguimos te salvar.

Um menino de apenas quatro anos, com tantas marcas de violência no corpo, chegou a ser atendido em hospitais, médicos notificaram, a polícia foi acionada, o Conselho Tutelar sabia. Mesmo assim, ele continuou sob a guarda de quem o torturava, até a morte, no domingo, 17 de agosto. Houve falhas no sistema de proteção, admitem as autoridades.

Infelizmente, Moisés não é exceção. Em São Paulo, há poucos dias, uma menina de 11 anos morreu após dias sem comida e sem água, como “castigo” dos próprios pais. Em Joaçaba, um bebê de oito meses foi internado na UTI com fraturas nas costelas, no braço, no fêmur e até no pulmão. Histórias como essas revelam a face mais cruel de um Brasil que ainda não consegue proteger suas crianças.

É difícil até encontrar palavras diante de tamanha barbárie. Eu mesma demorei a ter coragem de falar sobre isso. Mas o silêncio não salva ninguém. Precisamos gritar! Como é que uma sociedade permite que inocentes sejam vítimas de tanta violência? Como é que órgãos responsáveis se escondem atrás da burocracia, quando cada minuto pode significar vida ou morte?

Santa Catarina foi o segundo estado do país em número de medidas protetivas concedidas pela Lei Henry Borel no último ano: mais de 1.400. É um avanço, mas precisamos admitir: papel não salva criança. Assim como não basta ter leis robustas se falta estrutura para que sejam aplicadas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente completou 35 anos em julho. Uma lei revolucionária, que transformou a infância em sujeito de direitos e deu ao Brasil um dos marcos mais modernos do mundo na proteção à infância. Mas, passadas três décadas e meia, ainda estamos muito longe de garantir que nenhuma criança sofra violência dentro e fora de casa.

Quando presidi a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Alesc, em 2021, trabalhei justamente para fortalecer a rede de proteção. Fizemos e aprovamos um requerimento que levou à capacitação de conselheiros municipais de direitos pela Escola do Legislativo, após uma pesquisa que revelou um dado alarmante: muitos recursos destinados à assistência social simplesmente não eram utilizados pelas prefeituras. Por quê? Porque faltava orientação técnica para elaborar projetos dentro das normas legais.

Isso significa que o Estado reservava dinheiro para assistência social, mas uma parte ficava parada nos cofres públicos, enquanto crianças continuavam sofrendo. Descobrimos ainda que muitos municípios tinham receio de apresentar projetos por medo de sanções dos órgãos de controle. É inadmissível que vidas sejam colocadas em risco por falta de preparo, de informação ou de coragem.

Qualificar os conselhos tutelares e os conselhos municipais de direitos não é detalhe, é condição de sobrevivência para milhares de crianças. O que está em jogo não são relatórios, atas ou processos burocráticos. O que está em jogo é a vida de meninos e meninas como Moisés.

E eu me pergunto, com dor e indignação: quantos Moisés ainda vão morrer até que o Brasil realmente proteja suas crianças?

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