A urna eletrônica e a cédula física conferível: o retrocesso do novo código eleitoral. Por Marcelo Peregrino Ferreira

Artigo de Marcelo Peregrino Ferreira, advogado e Doutor em Direito (UFSC)

Na maior parte da história nacional o voto foi realizado por meio da expressão da vontade do eleitor em cédulas de papel depositados em urnas e, posteriormente, contabilizados manualmente.

Em 1932, num aceno ao futuro, já se previa a utilização de “máquinas de votar”, a critério e mediante regulamentação do Tribunal Superior Eleitoral talvez porque o elemento humano nas eleições sempre foi um fator de insegurança jurídica, em especial naqueles tempos.

Com efeito, pode se dizer, sem qualquer exagero que a história do voto impresso é a história da fraude do processo eleitoral e o detalhamento extremamente minucioso do Código Eleitoral não tem outra razão de ser senão a de impedir as muitas possibilidades de manietação da vontade do eleitor, fruto das experiências passadas. Aliás, o direito eleitoral mostra um longo percurso de idas e vindas na melhoria do sistema de votação e dos sistemas eleitorais.

Affonso de E. Taunay, falando sobre a legislação de 1824, dizia: “A esta mesa assim composta a lei entregava ilimitado poder. Não havia nenhuma qualificação anterior de vontades; aceitava a mesa a quem queria e recusava outros a pretexto da falta de condições legais. Não havia chamada, nem prazo algum marcado para o recebimento das cédulas, que começava e a terminava quando bem parecia à mesa. (…) o poder da mesa ia até o ponto de ser ela que marcava o número dos eleitores da paróquia em que funcionava. (…) cada partido tinha seus candidatos cuja aceitação ou não constituía questão de vida e morte”.

Em certo período, constatou-se a intensa participação de delegados e subdelegados de polícia ligados ao poder central na definição da elegibilidade, tudo a comprometer a lisura dos pleitos, ocasionando, não raro, a elaboração de atas falsas de apuração de votos. Francisco Belisário Soares de Souza esclarece em toda a extensão o processo eleitoral e as vicissitudes da qualificação dos votantes no melhor detalhamento da matéria: ”As fraudes das qualificações, a intervenção direta da autoridade policial e outros muitos abusos anularam os resultados que porventura pudessem nutrir os autores das instruções quanto a seus efeitos”.

Durante a Primeira República duas falsificações importantes foram o processo de bico de pena e a degola ou depuração. O bico de pena era praticado pelas mesas eleitorais, com funções de junta apuradora, como lembra Victor Nunes Leal: “inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena todo poderosa dos mesários realizava milagres portentosos”. A degola consistia no reconhecimento de poderes pelas Câmaras Legislativas, ou seja, na possibilidade de cassação dos mandatários eleitos pelo Poder Legislativo.

Na histórica mais recente, pode-se apontar dois exemplos muito significativos.

As fraudes na apuração das eleições de 1994 no Rio de Janeiro levaram à anulação dessa eleição para todos deputados estaduais e federais. Esses cargos foram votados novamente no segundo turno da eleição para o governo do Estado como acentua Fernando Nogueira Costa: “Mas as fraudes na apuração dos votos continuaram em certas regiões do país. O mais comum eram resultados alterados no momento de preenchimento dos boletins com a totalização dos votos, favorecendo determinados candidatos. Nas eleições de 1994, as fraudes na apuração de determinadas zonas eleitorais do Rio de Janeiro foram tantas que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro anulou os resultados do pleito para deputado federal e estadual, convocando os eleitores a votarem novamente no segundo turno. Essa foi a principal razão para a adoção da urna eletrônica”.

Outro caso que ficou famoso no país ocorreu em Alagoas. Após as eleições de 1990, o Tribunal Regional Eleitoral anulou os votos de 117 urnas de Maceió, apuradas pela 2ª Junta Eleitoral da capital alagoana. Em Maceió, as fraudes consistiram na transformação de votos brancos e nulos em votos válidos e na alteração dos boletins de apuração. No interior do estado, urnas chegaram aos locais de votação com votos previamente preenchidos, com caligrafias idênticas.

A intervenção humana no processo de qualificação, votação e apuração merecia reparo.

A urna eletrônica ou o procedimento relacionado à urna, portanto, vem para combater a corrução e se inicia em 1985 com a informatização do cadastro eleitoral, em um projeto intersetorial e de mobilização da Justiça Eleitoral, Forças Armadas, Ministério da Ciência e Tecnologia, Instituto Tecnológico da Aeronáutica, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Ministério das Comunicações.

Tem-se hoje o melhor e mais seguro sistema eleitoral do mundo, graças, em muito, à Justiça Eleitoral brasileira.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, nesta quarta-feira (20/08/2025), um destaque do PP do ilustrado Senador Esperidião Amin que prevê ovoto impresso nas eleições brasileiras, medida já considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em duas oportunidades.

Enfim, a volta do voto impresso é um retrocesso que obedece às necessidades de ocasião da política partidária e vai, necessariamente, ressuscitar a contagem manual de votos, deixado a cargo da Justiça Eleitoral, em um incremento maior à judicialização das eleições.

COMPARTILHE
Facebook
Twitter
LinkedIn
Reddit