Artigo de Giovani de Lima, advogado e candidato a desembargador no quinto constitucional

É inegável que, nas últimas décadas, o Brasil avançou significativamente no que diz respeito aos direitos das mulheres vítimas de violência. Nesse cenário, ganha destaque a Lei nº 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, um verdadeiro marco normativo na busca da prevenção e do combate à violência contra a mulher.
Importante destacar que, cada nova medida, seja por meio da alteração de um dispositivo legal já existente ou pela criação de nova lei, revela-se pertinente, diante das múltiplas e complexas vulnerabilidades que acometem a mulher em situação de violência.
Tais medidas visam enfrentar realidades como a ausência de moradia, a insuficiência de recursos financeiros, a necessidade de concessão de medidas protetivas de urgência, o acesso a atendimento policial especializado, bem como a garantia de assistência jurídica integral, além de suporte médico e psicológico.
No último dia 2 de abril, foi publicada a Lei n° 15.166/2025, que instituiu o programa de reconstrução dentária para mulheres vítimas de violência doméstica. Acolher, proteger e tratar física e psicologicamente essas mulheres é, antes de tudo, dar a elas dignidade e, sem sombra de dúvidas, reabitá-las ao convívio saudável em sociedade.
Nunca, em qualquer outro momento da história, discutiu-se de maneira tão ampla, as diversas formas de violência perpetradas contra as mulheres e os mecanismos destinados ao seu enfrentamento. A própria Lei Maria da Penha, em seu artigo 7º, tipifica distintos tipos de violência de gênero no âmbito doméstico e familiar, elencando, entre elas, a violência física, a psicológica, a moral, a sexual e a patrimonial.
Se o enfrentamento à violência contra a mulher tem ganhado crescente visibilidade no debate público e político e o ordenamento jurídico vem sendo continuamente aperfeiçoado para lidar com essa realidade, por que ainda não resolvemos esse problema? Porque a violência é estrutural, ou seja, ela está incutida em cada um de nós, e nos mais variados setores da sociedade, político, social, econômico e cultural. A violência contra a mulher, sobretudo a física, é a ponta de um problema que, na verdade, nasce dentro de casa, em rodas de amigos, na escola, na universidade, no trabalho, é todo um ecossistema em que a violência contra a mulher é enraizada,
ela está em nossos valores.
Por isso, é imprescindível que o combate e a conscientização sobre a violência contra a mulher seja incorporada de maneira ampla e permanente em escolas, empresas, instituições e órgãos públicos. O próprio artigo 8° da Lei Maria da Penha prevê ações integradas entre entes governamentais e não governamentais para um enfrentamento efetivo.
Nessa toada, e compreendendo a necessidade de políticas institucionais de enfrentamento a violência contra mulheres, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 128/11, determinou a criação de Coordenadorias Estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito dos Tribunais de Justiças Estaduais (CEVID).
Com a criação da CEVID, o Poder Judiciário de Santa Catarina implementou o Programa Indira, que atende, acolhe e dá encaminhamento aos casos de violência doméstica em face de magistradas, servidoras, estagiárias, e colaboradoras do PJSC.
Além de acolher e orientar as mulheres vítimas de violência, o programa trabalha a prevenção e a conscientização, com a execução de campanhas e de ações para o público interno. O atendimento dessas servidoras é sigiloso e o programa leva o nome Indira em homenagem à servidora pública Indira Mihara Felski Krieger, morta, vítima de violência doméstica.
Leis são instrumentos que ajudam no combate à violência, mas não são resolutivas por si só, é necessário mais. Se a violência está em nossos valores e em todas as esferas da vida, a mudança deve ser cultural e estrutural. O que exige medidas integradas entre o Estado e toda a sociedade.
É preciso que o tema seja cada vez mais inserido na sociedade, não apenas em espaços de atendimento à mulher já vítima, mas nos espaços de formação e trabalho, para que essa mulher não se torne uma estatística. O combate à violência contra a mulher, não importa o tipo, deve ser um compromisso social, legal e moral.
Afinal, garantir às mulheres, que são 51,5% da população brasileira, o pleno exercício de seus direitos não é apenas uma obrigação legal, é acima de tudo, uma condição para construção de uma sociedade justa e igualitária.