Artigo de João Paulo Tavares Bastos, Superintendente do Porto de Itajaí

Diferente de outros países, a tarifa imposta por Donald Trump ao Brasil chega a ser quase um embargo — é uma medida punitiva de grande impacto econômico que só encontra paralelo na dureza de sanções aplicadas a regimes historicamente adversos. O peso tarifário anunciado pelo governo norte-americano sobre produtos brasileiros tem efeito concreto sobre produtores, exportadores e cadeias logísticas, e não pode ser visto como mera retórica comercial. 
Os impactos nas operações do Porto de Itajaí, inclusive, já estão acontecendo. Atualmente temos dois serviços semanais com destino americano: um mais direcionado à Costa Leste e o outro, ao Golfo Americano. Com a vigência do Tarifaço, tivemos uma queda em torno de 10% no volume de embarques de exportação dry. Os principais setores impactados são o Madeireiro, o Cerâmico e o Aço – que representam cerca de 70% das commodities embarcadas pelo Porto de Itajaí.
Por que tanta raiva? Seria lealdade pessoal à família Bolsonaro? Seria uma tentativa de recuperar vantagem numa relação comercial assimétrica? Essas hipóteses ajudam a explicar, mas não são as mais importantes. O que realmente motiva a ação é político-simbolicamente mais grave: as sanções contra autoridades do Judiciário brasileiro — em especial as medidas direcionadas ao ministro Alexandre de Moraes — configuram, na prática, uma tentativa de impedir que o exemplo democrático do Brasil constranja a tentativa de Donald Trump de reescrever o que aconteceu no Capitólio e, assim, de neutralizar a narrativa que expõe sua própria fragilidade institucional.  
Quando um país responsabiliza seu ex-mandatário e altos militares por uma tentativa de golpe frustrada, isso é um atestado de maturidade institucional. No Brasil, a responsabilização criminal e as respostas do Judiciário demonstram que, em regra, ninguém está acima da lei e que a Constituição não é um ornamento — é a bússola do processo político. Esse contraste torna constrangedor, para quem procuraria relativizar ou reescrever o ataque ao Capitólio, ver um país emergente fazer justamente o que se espera de democracias maduras: aplicar a lei sem exceções.  
A reação norte-americana — que mistura tarifas punitivas, sanções individuais e pressão diplomática — busca assim reduzir a força simbólica desse exemplo brasileiro. Se o Brasil serve de demonstração de que as instituições podem proceder com responsabilização efetiva, esse exemplo ameaça narrativas que pretendem naturalizar a impunidade política. Em outras palavras: a “ira laranja” é, antes de tudo, um reflexo de constrangimento e tentativa de silenciamento do exemplo democrático que incomoda.
É preciso dizer com franqueza: se as medidas de Washington provocam prejuízos econômicos reais, por outro lado elas confirmam algo que devemos acolher com seriedade e otimismo — nossas instituições reagiram, protegeram a ordem constitucional e demonstraram resiliência. Esse reconhecimento não é idolatria: é constatação política. Onde antes se buscava a lição em solo estadunidense, hoje o Brasil tem argumentos para reclamar atenção — inclusive crítica — sobre o funcionamento de seus próprios mecanismos de proteção democrática.
No fim das contas, o choque comercial e diplomático confirma uma ironia histórica: a maior potência, ao falhar em conter a corrosão institucional interna, perde o título de “exemplo” — e o Brasil, com suas contradições e imperfeições, ganha o direito de apontar que, naquele ponto essencial, vem seguindo o caminho correto. A raiva laranja de Donald Trump é, portanto, um atestado — desconfortável para eles, meritório para nós — dos bons feitos da nossa institucionalidade.