Fala-se muito em monitoramento de “mar aberto” nas redes sociais. A expressão sugere grandeza, vastidão, acesso irrestrito a todo volume de debate nas redes A imagem é sedutora: mergulhar em tudo o que circula online, ouvir vozes dispersas, captar sinais invisíveis. Mas a realidade é outra. Quando alguém diz que está monitorando em mar aberto, o que está fazendo, na prática, é recortar um pedaço do fluxo e tratar esse fragmento como se fosse o todo.
Esse é o ponto central: não é estatístico, não é probabilístico, não é científico. É apenas um recorte, e recortes nunca representam o universo inteiro. A diferença entre fragmento e totalidade é enorme, mas costuma ser ignorada. É como olhar para uma pequena parte de um quebra-cabeça e anunciar que já se conhece a imagem completa. Talvez seja possível deduzir alguma coisa, as cores dominantes, a ideia geral, mas inevitavelmente faltará muito.
O que chamam de mar aberto está cheio de limites invisíveis. O primeiro é óbvio: só fala quem tem acesso, motivação e disposição para se expor publicamente. A maioria silenciosa permanece fora do radar. O segundo é estrutural: só se enxerga o que as plataformas permitem ver. APIs, regras internas, filtros de privacidade determinam o que pode ser coletado. O terceiro é algorítmico: o que aparece nos feeds já chegou filtrado, impulsionado ou escondido por sistemas que privilegiam choque e engajamento. E ainda há o viés do observador: toda busca depende da definição de um universo, escolhas humanas que determinam quais peças do quebra-cabeça entram na mesa e quais ficam fora.
Em comunicação política, esses limites têm consequências graves. Um político que se guia “pelo mar aberto” corre o risco de acreditar que encontrou a opinião pública, quando encontrou apenas uma bolha mais ruidosa. Pode tomar decisões estratégicas com base em vozes que falam alto, mas não representam o todo. Pode se convencer de que certo tema mobiliza a sociedade inteira, quando mobiliza apenas um recorte hiperativo do digital. E, nesse processo, corre o risco de se fechar na própria bolha, confundindo fragmento com realidade.
Monitorar redes é útil. Pode gerar sinais, capturar tendências, antecipar narrativas. Mas confundir isso com ciência é um erro perigoso. Ciência exige representatividade, método probabilístico, rigor estatístico. O mar aberto não entrega nada disso. Ele oferece pistas e pistas não são mapas. A tentação de usá-lo como verdade é grande, mas é também o atalho mais arriscado para a cegueira.
A comunicação política precisa assumir essa limitação. Precisa reconhecer que olhar apenas para os dados visíveis é olhar para cinco peças de um quebra-cabeça de mil. É útil, mas insuficiente. É sugestivo, mas enganoso. É uma visão parcial que, quando tratada como totalidade, distorce diagnósticos, fragiliza estratégias e, em última instância, afasta a política da sociedade real.
O mar aberto, afinal, não é oceano. É baía. É recorte. É pedaço. A política que quiser atravessar esse momento com inteligência precisa resistir à ilusão da totalidade e se lembrar de que a verdade, como um quebra-cabeça, só faz sentido quando conseguimos ver a imagem completa.