Artigo de Guilherme Pontes, marqueteiro, consultor político e eleitoral

O que aconteceu no Nepal não é apenas um fato político, mas um retrato poderoso de como a democracia do século XXI se reinventa, e de como a censura pode ser um tiro no pé. O governo tentou calar a sociedade ao banir redes sociais. O resultado? Um levante popular que derrubou o primeiro-ministro, deixou o Parlamento em chamas e empurrou milhares de cidadãos para um novo espaço de deliberação: uma sala virtual no Discord.
É simbólico. O poder político migrou de gabinetes fechados e parlamentos incendiados para um aplicativo criado para gamers. Ali, em questão de dias, mais de 145 mil nepaleses se reuniram para discutir o futuro do país. Entre memes, confusões e votações improvisadas, emergiu um consenso: a ex-chefe da Suprema Corte, Sushila Karki, seria o nome para liderar interinamente a nação até novas eleições.
A ironia é irresistível: a tecnologia que o governo tentou proibir virou o palco central da política. O que deveria ser um silenciamento se transformou em amplificação. O que deveria sufocar protestos os multiplicou. O que deveria manter a ordem produziu uma explosão democrática sem precedentes.
É claro que não se pode romantizar totalmente. O que nasceu como um parlamento alternativo também pode facilmente se tornar uma arena de ruídos. Mas, apesar de suas imperfeições, a experiência deixou uma lição essencial: a política não pode prescindir da escuta. Os representantes precisam compreender que sua legitimidade depende, cada vez mais, de canais permanentes e transparentes de diálogo com os representados.
O Nepal nos lembra que a política já não cabe apenas nos palácios ou nos plenários. Ela pulsa nos aplicativos, nos fóruns e nas plataformas digitais. E qualquer governo que tentar controlar esse espaço corre o risco de ser atropelado pelo próprio povo, agora conectado, mobilizado e disposto a fazer história com as ferramentas que tem em mãos. Mais do que nunca, governar exige proximidade real com os cidadãos, porque a democracia do nosso tempo é uma democracia de relações, onde eleitos e eleitores precisam estar conectados de forma constante e verdadeira.