Um dia sem assessor

Será que um político sobreviveria um dia inteiro sem sua equipe de comunicação? Já imaginou um prefeito ou governador acordando sem nenhum assessor para pautar suas falas, gravar vídeos ou gerenciar suas redes sociais?

É uma cena improvável, mas necessária. No mundo pós-2010, meu marco temporal da virada da comunicação política, em que as redes sociais passaram a dominar a informação, o político não pode se dar ao luxo de não ser um criador de conteúdo e narrador da própria história. Vivemos a era dos “políticos-creators”, expressão que adaptei do marketing digital. Em suma: dominar a comunicação, técnicas de persuasão e a própria narrativa é um imperativo. Influência ou morte!

A proposta deste artigo é simples, mas ousada: imaginar um dia inteiro em que o político desliga o piloto automático da assessoria e assume pessoalmente as rédeas da sua comunicação. Para entender por que esse exercício é tão necessário, é preciso voltar no tempo. Até o final dos anos 2000, a imagem dos políticos era milimetricamente moldada por marqueteiros. Éramos nós que cuidávamos de suas aparições na televisão, escrevíamos as mensagens que seriam reproduzidas pela imprensa e controlávamos cada detalhe. O contato com o público era vertical e filtrado. Em suma, o marketing político tradicional tratava o candidato como um produto embalado e a mensagem passava por inúmeros intermediários e ajustes burocráticos.

A virada começou em 2010, quando as redes sociais ingressaram de vez na política. Foi nesse ano que fiz minha primeira campanha digital, usando, entre outras plataformas, a finada rede Orkut. A partir dali, os políticos começaram a falar diretamente com os eleitores, sem filtros e com pouca ou nenhuma edição. Um estudo sobre as eleições brasileiras daquele ano mostrou que três em cada dez tópicos nos trending topics do Twitter estavam ligados à disputa presidencial. 

Quem definiu bem esse momento foi o sociólogo Manuel Castells, ao cunhar a expressão “mass self-communication”, ou seja, uma comunicação de massa auto-produzida em que qualquer indivíduo, inclusive um político, pode criar e disseminar conteúdo para multidões de forma autônoma, sem depender dos canais tradicionais. De lá para cá, quem soube aproveitar essa lógica colheu resultados e quem não soube ficou para trás.

Diante dessa transformação, surgiu a figura do político-creator. Mais do que um simples criador de conteúdo, um influenciador de fato. Se antes bastava seguir a cartilha da formalidade, hoje espera-se que ele construa uma marca pessoal forte, conte histórias que engajem e se conecte com as pessoas de forma direta.

Basta observar os exemplos de quem domina as narrativas digitais. Barack Obama, já em 2008, apresentou mensagens de esperança envoltas em storytelling pessoal. Jair Bolsonaro, antes mesmo de vencer em 2018, já afirmava que “o poder popular não precisa mais de intermediação”. Nayib Bukele, presidente de El Salvador, governa praticamente por meio de tweets e memes, transformando anúncios oficiais em peças virais que circulam pelo mundo.

Tudo isso reforça a tese central deste artigo: o político contemporâneo precisa ser um comunicador nato e protagonista midiático. Não se trata de abandonar a seriedade ou a responsabilidade do cargo, mas de embrulhar o conteúdo importante em formato atraente e convincente. Essa mudança de paradigma exige também repensar o papel da assessoria. As equipes de comunicação continuam fundamentais, cuidando de planejamento, orientação e produção de conteúdo. Mas a influência em si não se terceiriza. Se o político não assumir a linha de frente na própria comunicação, corre o risco de se tornar coadjuvante da própria história. O eleitor enxerga o release assinado pela assessoria como propaganda, mas se sente impactado por um story em que vê o político falando diretamente, talvez até com alguma imperfeição ou improviso. E, justamente por isso, mais humano.

A grande questão é: será que o político moderno sabe se comunicar por conta própria? É aqui que entra o experimento de um dia sem assessor. Imagine um líder tendo de escolher, logo cedo, qual mensagem deseja comunicar, sem reunião de pauta ou roteiro pronto.

Em seguida, decidir sozinho o formato dessa mensagem, seja um vídeo curto, uma sequência de posts ou um texto autoral.

Depois, assumir a frente da gravação, cuidando do enquadramento, da iluminação e da entonação, descobrindo na prática que são necessárias várias tentativas até parecer natural.

Na etapa seguinte, editar o material de forma básica, legendar e preparar para publicação. Postar em suas próprias redes, escrever a legenda, escolher hashtags, marcar localização e, finalmente, encarar o momento que mais assusta: os comentários. Ler elogios, críticas, perguntas e responder pessoalmente, sem o filtro protetor da equipe.

Se no meio do dia estourar uma polêmica ou surgir uma demanda de imprensa, atender a um jornalista ao vivo sem nota pronta também faria parte desse pacote.

Ao final da noite, caberia a esse político analisar os resultados, refletir se a mensagem chegou como queria e avaliar o que funcionou ou não.

É evidente que um único dia assim seria intenso e estressante. Mas é justamente por isso que o experimento é valioso. Ele obriga o político a enxergar a comunicação por dentro, como um criador de conteúdo faz diariamente. Muito além de um exercício de vaidade, é um gesto de empatia com quem produz informação e de humildade para aprender novas habilidades. 

Ao final, o político sairia exausto, mas também com aprendizados valiosos sobre a própria comunicação. E, sobretudo, com mais consciência do quanto depende menos de uma equipe e mais da sua capacidade pessoal de se conectar com o eleitor.

Seguindo esse caminho, o político tende a ganhar independência comunicativa sem, obviamente, abrir mão da estrutura profissional que o cerca. A diferença é que a assessoria deixa de ser muleta para ser suporte. A voz principal precisa ser a dele, com a equipe apenas amplificando e aperfeiçoando.

Essa provocação inicial, portanto, não pretende demonizar profissionais de comunicação, mas sacudir a zona de conforto dos políticos. É um chamado à autorresponsabilidade comunicacional. Vivemos um tempo em que não basta ao líder fazer: é preciso contar bem feito o que fez. No fim das contas, a pergunta que fica é simples: estou pronto para ser o narrador da minha história ou vou terceirizar a minha voz?

Os eleitores de hoje esperam líderes de carne e osso, que apareçam nos momentos bons e ruins, que expliquem decisões com empatia e até admitam erros frente às câmeras. Isso exige coragem e treino, mas rende dividendos em confiança e popularidade. O grande comunicador Chacrinha, que os mais jovens talvez nem conheçam, já dizia em tempos analógicos: “Quem não se comunica, se trumbica.” Atualizando para 2025, a máxima é outra: quem não comunica, desaparece. E quem não influencia, é influenciado.

Fica o desafio, que pode ser retórico mas não é menos real: desligar o teleprompter, guardar as notas oficiais na gaveta e pegar você mesmo o celular para falar com o povo. Pode ser apenas por um dia, mas a experiência certamente o tornará um político melhor e, quem sabe, um creator de respeito. O protagonismo comunicacional é uma via de mão única: ou o político assume, ou será assumido por ela. 

Ps: imagem gerada com auxílio da IA

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