Quando o feed vence os fatos. Por Alisson Magalhães

Artigo de Alisson Magalhães, pastor, estrategista e especialista em Marketing Político

A democracia foi sequestrada, e você é, provavelmente, um dos culpados.

Bem-vindos à realidade 4.0. Vivemos a era do título, do corte de vídeo e do meme. Infelizmente, para muitos, a realidade não está mais nos fatos, e sim no que aparece na tela do celular em quinze segundos de emoção concentrada. Em uma época em que ilustres desconhecidos se tornam influenciadores em virtude das bizarrices que publicam, difundem a cultura da instantaneidade e da viralidade: sedutora, rápida, irresistível. Só tem um problema — ela desnorteia a visão de mundo das pessoas e corrói nossa capacidade de enxergar valor no que realmente importa.

No lugar de refletir sobre processos e questionar motivos, mergulhamos em reações instantâneas. No lugar de avaliar contextos, preferimos reagir a frases de efeito. É assim que a viralidade cria uma nova régua: não importa se é verdade, importa se engaja. E quando o engajamento se torna critério, a política rapidamente se adapta e aprende a jogar o jogo.

Políticos não disputam mais só votos. Disputam atenção. E atenção se conquista com impacto, choque, indignação. A política virou espetáculo, o eleitor virou plateia e moeda num jogo regado a emoção. O risco é que, nessa lógica, o que conta não é a entrega, o caráter, o cálculo responsável ou o preparo do político, e sim sua capacidade de gerar vídeos virais.

Mas é aqui que mora o ponto mais incômodo: nada disso é improviso. Nos bastidores, há cálculos frios e meticulosos. Marqueteiros estudam algoritmos, identificam emoções mais propensas a viralizar (medo, raiva, ressentimento), calibram discursos para gerar cortes prontos para o Instagram e para o WhatsApp, e espalham narrativas como pragas. É engenharia da manipulação — não um acidente de percurso.

O resultado é ainda mais perverso quando somamos a isso o que o mercado em geral já chama de ‘brainrot’. É, literalmente, o apodrecimento cerebral causado pelo consumo constante de conteúdo raso e viciante, que reprograma nosso cérebro para desejar apenas estímulos rápidos, imediatos e superficiais. Uma espécie de “droga virtual”. É como trocar refeições por fast-food em doses infinitas: sacia, mas enfraquece. O cérebro, saturado de memes e cortes de 30 segundos, já não consegue lidar com profundidade, complexidade, cenários ou nuances.

É nesse terreno fértil que a polarização burra floresce. O cidadão deixa de analisar caráter, história ou cálculo político, e passa a defender narrativas editadas, transformar líderes em mitos, heróis em caricaturas e políticos em deuses de estimação. A esquerda tem os seus. A direita também. Todos senhores do mesmo vício que troca pensamento crítico e análise por torcida. A política se torna um culto, e o eleitor, devoto. A polarização burra não nasce do acaso — é produto desse sequestro da atenção.

Nos corredores de Brasília — e não só lá — isso é visto como oportunidade. Se o eleitor já não questiona, basta dar-lhe doses diárias de emoção digital para alimentar a lealdade. Não interessa se um projeto é viável ou se uma decisão é justa: o que vale é se a versão que circula no feed reforça a narrativa escolhida. Em outras palavras: não se governa mais apenas com políticas públicas, mas com peças publicitárias cuidadosamente embaladas para o algoritmo.

De repente, já não importa o que o político faz, mas o que ele simboliza. Não interessa se a decisão é pragmática ou se o projeto tem lastro: o que vale é se o corte de vídeo reforça a narrativa que queremos acreditar. Questionar? Só o “demonho” do adversário. O “nosso santo lado” ganha imunidade total, como se caráter fosse irrelevante diante da conveniência do algoritmo.

É assim que a democracia se fragiliza: quando o cidadão deixa de analisar as razões reais das ações — o cálculo político, os interesses escondidos, os impactos concretos — e passa a defender versões editadas da realidade. Quando deixa de se perceber quando um Poder erra ou quando um político falha, e uma sociedade inteira desaprende a interpretar a realidade. O tecido da vida pública apodrece junto com o cérebro.

No fim das contas, não é que a política tenha se adaptado às redes. É a democracia que virou refém do algoritmo, com a anuência da sociedade das telas. E enquanto você continuar deslizando a tela em busca de 15 segundos de indignação, alguém lá em cima transforma sua distração em poder.

O feed venceu os fatos. E nós, de olhos grudados na tela, aplaudimos de pé o espetáculo que sequestra a razão, alimenta a polarização e entrega a democracia como prenda no leilão dos likes.

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