Em Portugal, pode distribuir avental e bola, mas não pode impulsionar um post. A Meta não ganha um euro — e a política ganha autenticidade.
Artigo de Marcus Vinicius, jornalista e estrategista de comunicação política. Mestre em Engenharia e Gestão da Mídia, é criador da marca e cofundador do Compol. Coordenou campanhas no Brasil e em Portugal.

Três meses em Portugal dão pra entender muita coisa. O ritmo, o sotaque, a política — e a elegância com que o país tenta se manter imune à propaganda eleitoral moderna. Por lá, não se pode pagar um centavo por anúncio na internet. Nenhum post impulsionado, nenhum vídeo patrocinado. Mas pode — sem ironia — distribuir avental de cozinha, caneta, chapéu, bola de futebol. A Meta não ganha um euro, e talvez por isso o ambiente político soe um pouco mais… civilizado.
Coordenei o digital de duas campanhas municipais em 2025: Rui Lages em Caminha e António Braga em Braga. Foram 90 dias entre o Atlântico e o Minho, tentando provar que o digital pode ser relevante mesmo quando não há dinheiro envolvido. E foi. Não pelo alcance — mas pela coerência.
Caminha: o voto contado no café
Caminha é o tipo de cidade em que todos se conhecem, e o WhatsApp funciona melhor que o Google. A política ali é quase artesanal. O digital precisava ser igual. Fizemos vídeos simples, diretos, mostrando o gestor de perto, sem cenário nem trilha épica. Terminou com 30 votos de diferença. Em Portugal, onde as freguesias — pequenas divisões administrativas com vida própria — decidem o resultado, trinta votos equivalem a um fio de cabelo. Uma freguesia muda de lado, e muda a eleição.
Braga: o conteúdo como reputação
Braga é outra história. Mais urbana, mais disputada, mais exigente. Com António Braga, criamos o formato “Braga Responde” — vídeos curtos e diretos, em que ele explicava, respondia e sustentava posição. Nada de performance. Era política com conteúdo, não com filtro. O resultado: 247 votos de diferença, depois de encurtar uma distância de milhares. Perdemos a eleição, mas ganhamos território narrativo — e, em política, isso também é poder.
A lógica das freguesias
As freguesias são o coração da política portuguesa. Cada uma tem o seu presidente, a sua cor, o seu jeito. E todas contam. É ali que o eleitor mede a política na escala certa: o arranjo da rua, o campo de futebol, a festa do padroeiro. Para quem trabalha com digital, é um quebra-cabeça fascinante — microterritórios com identidades próprias. A mesma mensagem que funciona no centro não faz sentido no bairro rural. É o oposto do marketing massivo: é segmentação emocional, não algorítmica.
Quando Bernays vira realidade
Edward Bernays, o pai da propaganda moderna, dizia que a verdadeira influência está em organizar a opinião pública, não manipulá-la. Portugal leva isso ao pé da letra. Sem impulsionamento, a narrativa tem que se sustentar sozinha. Cada post precisa ter propósito. Não é sobre vender uma ideia, mas sobre mantê-la de pé — com ritmo, coerência e verdade.
O resultado é um tipo de campanha em que o engajamento se mede em credibilidade, não em curtidas. E onde o digital, sem dinheiro, volta a ser o que deveria: ferramenta de relação, não de alcance.
A lição portuguesa
Depois de três meses de cafés, reuniões e quilômetros de estrada, ficou claro: o digital não é palco — é espelho. Ele não cria candidatos, só reflete quem eles são. E, às vezes, isso basta para disputar voto a voto.
Portugal me ensinou que a comunicação política pode sobreviver sem tráfego pago — e até sair fortalecida disso. Bernays via a propaganda como a arte de moldar percepções. Lá, vi o oposto: a arte de sustentar confiança quando ninguém está pagando para te ouvir.