Riscos ocultos nas vendas por WhatsApp: cuidados essenciais às empresas. Por Maria Alice Trentini Lahoz

Artigo de Maria Alice Trentini Lahoz, sócia Núcleo Relações de Consumo da Menezes Niebuhr

O comércio eletrônico é uma realidade inafastável. A expansão digital, naturalmente esperada em razão da facilidade de acesso à internet por meio dos smartphones, foi acelerada pelos efeitos da pandemia da Covid-19 e pela necessidade de distanciamento social. Segundo pesquisas da Ebit/Nielsen (site que analisa a
reputação de lojas virtuais), o volume de vendas no período mais severo do lockdown (abril a junho de 2020) subiu 70% em relação ao ano anterior. Além disso, 7,3 milhões de brasileiros realizaram sua primeira compra virtual naquele ano.

E essa expansão não se restringe às marcas consolidadas ou aos grandes marketplaces. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços apontam que as vendas eletrônicas de pequenas e microempresas cresceram 1.200% nos últimos cinco anos 2 . Entre os principais atrativos para o consumidor estão promoções, frete gratuito, prazos de entrega reduzidos, meios de pagamento conjugados (PIX, cartões de crédito, cartões virtuais), e a facilidade nas trocas.

Essa massificação do consumo digital, no entanto, traz uma contrapartida inevitável: aumento das responsabilidades legais e dos conflitos de consumo. Assim como nas vendas presenciais, o Código de Defesa do Consumidor se aplica integralmente às transações realizadas no ambiente virtual, impondo obrigações aos fornecedores e garantindo direitos aos consumidores. A par disso, observa-se uma sociedade cada vez mais ciente das normas que regem as relações comerciais e mais ativa na busca pela solução de seus conflitos.

Essa percepção é reforçada pelos dados divulgados por órgãos extrajudiciais de defesa do consumidor. Como exemplo, o PROCON de São Paulo, maior do país, registrou, apenas em 2024, mais de 900 mil atendimentos. Em mais de 25% deles foi necessária a atuação ativa de um especialista para auxiliar o consumidor 4 . Ainda
que o número de demandas tenha crescido, houve queda no índice de resoluções em relação a 2023, o que acende um alerta para os fornecedores.

Diante desse cenário, impõe-se uma necessária mudança de postura por parte dos empreendedores. É fundamental que, do lojista local ao grande marketplace, todos respeitem as diretrizes da Lei nº 8.078/1990 – o nosso Código de Defesa do Consumidor.

Um dos problemas crescentes, nesse contexto, tem origem nas vendas por canais de atendimento online. Essa responsabilidade legal se estende, inclusive, às vendas realizadas por meio de aplicativos de mensagens – entre os quais o WhatsApp e o Telegram figuram entre os mais utilizados no Brasil. Esse modelo de venda é especialmente comum entre micro e pequenos empresários, que se valem da praticidade desses canais. Via de regra, o fornecedor divulga seus produtos e serviços por redes sociais, informando o contato direto. A transação, então, ocorre dentro do ambiente do aplicativo, geralmente em tom informal e direto.

Contudo, apesar de parecer algo simples e espontâneo, é essencial reconhecer que essas vendas exigem um mínimo de regramento, sob pena de prejuízos tanto para o consumidor quanto para o fornecedor. O primeiro e mais básico ponto é o reconhecimento de que se trata de uma venda fora do estabelecimento comercial. Isso significa que incide o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC. O consumidor pode desistir da compra no prazo de sete dias, a contar do recebimento do produto ou da conclusão do contrato, conforme o caso. Além disso, aplicam-se os prazos legais para reclamação por vícios do produto ou serviço: 30 dias para bens não duráveis e 90 dias para bens duráveis.

Mas as obrigações não param por aí. Existem diversos aspectos dessas relações que não estão expressamente regulados pelo CDC, e é justamente nesses pontos que o fornecedor deve se resguardar. Questões como prazos de postagem, responsabilidade pelo frete, tempo estimado para entrega e condições para devolução do produto precisam estar claramente informadas ao consumidor.

É igualmente importante que o fornecedor detalhe previamente as condições de devolução: se há exigência de que o produto esteja lacrado, qual o estado de conservação necessário para aceitação da devolução e quais serão as consequências caso essas exigências não sejam atendidas.

Outro ponto sensível é o direito à informação, previsto no art. 6º, inciso III, do CDC. Por se tratar de uma venda não presencial, sem a formalização por meio de um contrato, é comum que o consumidor alegue ter recebido um produto diferente daquele que imaginava adquirir. Por isso, ainda que informalmente, o fornecedor deve apresentar de forma clara as condições do produto ou serviço, evitando ambiguidades, omissões ou informações que possam induzir o consumidor em erro.

Nesse mesmo contexto, é essencial observar as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018). O fornecedor deve garantir que quaisquer dados pessoais ou sensíveis coletados durante a negociação sejam armazenados de forma segura, e que não sejam utilizados para práticas de marketing não autorizadas ou compartilhamento indevido com terceiros.

O fornecedor que observa minimamente esses cuidados – muitos dos quais extrapolam as exigências estritas da legislação – está não apenas se protegendo contra litígios e sanções, como também preservando sua reputação no ambiente digital. A confiança é um ativo valioso no comércio eletrônico, e o descumprimento de regras básicas pode afastar clientes e gerar repercussões negativas.

É inegável que a informalidade dos aplicativos de mensagens contribuiu para a dinamização do comércio e impulsionou significativamente a economia. No entanto, é necessário reconhecer que o ambiente virtual é uma extensão do mundo físico, e nele também se aplicam, com igual rigor, as normas de proteção ao consumidor.

Diante da complexidade das normas aplicáveis e da velocidade com que o comércio digital evolui, é recomendável que fornecedores, especialmente os pequenos e médios empreendedores, contem com o apoio de uma consultoria jurídica especializada. O suporte técnico qualificado permite a elaboração de políticas claras
de venda, troca, devolução e atendimento, bem como a adequação às exigências do Código de Defesa do Consumidor e da Lei Geral de Proteção de Dados. Além de mitigar riscos legais, essa orientação estratégica contribui para a construção de uma relação de confiança com o consumidor, fortalecendo a reputação da marca no ambiente virtual.

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