Santa Catarina prova que não existe “o agro”. Existem vários “agros” – um que vence e outro que resiste.
De um lado, Santa Catarina bate recorde histórico nas exportações de carnes e se consolida entre os maiores fornecedores globais de proteína animal em 2025.
De outro, a cadeia do leite segue em estado de emergência, com produtor pagando para trabalhar e voltando para casa sem sequer cobrir o custo da produção.
Enquanto a COP30 ocupa palcos e holofotes com discursos de longo prazo, Santa Catarina tem de tratar do caixa hoje: há contratos fechados e granjas lucrando, e há produtores de leite que pagam para produzir.
E olha que o nosso estado faz o dever de casa: exporta, diversifica mercados e promove sanidade. Mas a aritmética do campo é cruel: um produtor quebrado tem a volta difícil, se ela ocorrer. Metas e discursos na COP30 são importantes – mas não pagam as contas.
Quem reclama de “modelo” precisa entender que o modelo depende de gente com CPF, talão e ração no caminhão.

SC no pódio (e por que isso importa)
Santa Catarina atingiu US$ 3,72 bilhões em exportações de carnes até outubro e embarcou 1,68 milhão de toneladas no acumulado do ano recorde em volume e em receita.
Esses números importam porque não são só cifras: alimentam municípios, sustentam indústrias de abate e geram cadeia de fornecedores (ração, logística, embalagens).
A retomada efetiva de Europa e China nas compras de frango catarinense transformou cotas suspensas em contratos que entram no caixa das agroindústrias.
A China autorizou novamente importações de aves desde o dia 7 de novembro, o que aliviou plantas e agentes comerciais que vinham segurando estoques.
No suíno, o Japão mantém-se como principal destino, comprando volumes estáveis e preços que dão previsibilidade. Esses mercados – União Europeia, China e Japão – funcionam como “amortecedores” de preço: quando a demanda por um destino recua, outro puxa demanda e evita choque direto na ponta do produtor.
O salto na carne bovina é emblemático: faturamento subiu 75% em reais, impulsionado por combinação de aumento de preços e de retomada de volumes para mercados de alto valor.
Isso explica porque indústrias e frigoríficos em SC estão com caixa mais confortável e por que municípios com plantas de processamento viram emprego e serviços reagirem mais rápido.
Alexandre Giehl (Epagri/Cepa) sintetiza: diversificação de mercados + manutenção de sanidade = resiliência. E em números isso significa menos risco de um embargo paralisar toda a cadeia.
Mercado a milhão: o que veio no radar
- Suíno: 144 mil tem outubro — 2º maior volume histórico; SC lidera embarques nacionais.
- Frango: média diária de embarque +17,6% começo de novembro; reabertura da UE e da China pesa positivamente.
- Bovino: +75% em faturamento (em reais) — combinação de preço e volume.
- Milho: redução de ritmo nos embarques por perda de competitividade frente aos EUA/Argentina.
- Soja: volatilidade por acordo EUA–China pode tirar até US$ 4 bi do Brasil; ainda assim, projeção de exportação alta para 2025.
- Biocombustíveis (CBios): expectativa de crescimento – 44,7 milhões de créditos em 2026 (Itaú BBA).
Conclusão prática: SC tem músculo exportador e carteira diversificada – isso protege desde o produtor até o banco regional.
Brasil e Argentina: blindagem sanitária
A medida, que foi assinada pelo ministro da Agricultura e Pecuária (MAPA), Carlos Fávaro, e pelo secretário argentino de Bioeconomia, Agricultura e Pecuária, Sergio Iraeta, evita embargos nacionais: o bloqueio sanitário em caso de foco ficará restrito a um raio de 10 km.
Isso significa menos risco de interrupção logística e mais previsibilidade para contratos de exportação e vale ouro quando plantas e navios precisam manter cadência.
O acordo estabelece que:
- Sanidade é diplomacia. Diplomacia é dinheiro no caixa.
- Bloqueios sanitários por foco ficam restritos a um raio de 10 km;
- Acaba a lógica de “embargo nacional”;
LEITE – A emergência que ninguém consegue ignorar
Depois da audiência nacional que aconteceu em Brasília, na semana passada, o tema volta à mesa da Assembleia Legislativa – Alesc, em outra audiência pública, que acontece hoje, dia 12, às 18h30, proposta pelo deputado Altair Silva (PP), que é também o presidente da Comissão de Agricultura da Casa.
Não é pauta nova. É continuidade da pressão política.
A diferença é que agora o debate tem preço: produtores estão pagando para produzir; dívidas estouram; captação de leite em algumas regiões já mostra queda por falta de sustentabilidade.
Altair traz três frentes como resposta imediata:
- Renegociação de dívidas rurais com juros entre 3% e 4% a.a. – para aliviar caixa e preservar estrutura produtiva.
- Controle e fiscalização das importações, evitando que leite subfaturado entre e derrube o preço interno.
- Estímulo ao consumo interno – políticas públicas que criem demanda e estoques reguladores.
“Se quebrarmos nosso produtor, voltaremos a ser importadores de leite. Todo aquele que abandona a produção dificilmente retorna, porque essa é uma atividade de muita dedicação e sacrifício. Precisamos agir agora para manter o produtor no campo”, disse o deputado.
O objetivo do encontro é aproximar lideranças e autoridades em busca de alternativas que garantam sustentabilidade à atividade no estado. A proposta é construir, de forma conjunta, caminhos que assegurem renda e competitividade às milhares de famílias que vivem da produção de leite em Santa Catarina.
Ações Propostas
Durante reunião em Brasília, o deputado já tinha apresentado propostas concretas para enfrentar a crise. Ele defende atuação em três frentes principais:
- Renegociação de dívidas com taxas de juros não superiores a 3% ou 4% ao ano
- Restrição às importações de lácteos por questões de soberania e sanidade animal
- Programa de incentivo ao consumo de leite
“O caminho também passa por ações do setor público, e esperamos atitudes do governo federal, que até o momento tem virado as costas para essa grave situação. Não podemos admitir isso, já que é uma questão de soberania nacional, que são a defesa do nosso produtor e a defesa da nossa economia”, concluiu o deputado em entrevista à coluna Política e Agro.
Soberania Alimentar
Em artigo publicado nesta semana, “As cíclicas crises do leite”, Ivan Ramos, diretor-executivo da Fecoagro – Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado de Santa Catarina, defende medidas permanentes:
- estoques reguladores;
- política de preço mínimo;
- proteção contra importação predatória.
Recuperar a renda do produtor = preservar soberania alimentar. Não é defesa de setor. É defesa de país.
EMBRAPA NA COP30 — quem produz também preserva
No primeiro dia da 30ª Conferência sobre o Clima das Nações Unidas (COP 30), a unidade Territorial da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apresentou a atualização do estudo sobre Atribuição, Ocupação e Usos das Terras.
O levantamento mostrou que o Brasil tem 65,6% do território preservado. Somente os imóveis rurais detém 29% de toda a vegetação nativa conservada no Brasil.
“Você tem, para cada hectare utilizado para a produção de alimentos, de fibras e de bioenergias, 2,1 hectares de áreas verdes”, destacou o chefe-geral da Embrapa Territorial, Gustavo Spadotti. São 246,6 milhões de hectares preservados pelos produtores.
Em linguagem clara: o produtor rural mantém quase um terço da vegetação nativa do país – argumento técnico essencial na defesa do agro.
Spadotti ressalta também que os dados mostram tanto preservação quanto usos legais do solo, e que a conversa ambiental precisa reconhecer essa contribuição.
Além disso, a Embrapa lançou um dicionário do agro para a COP30 (clique aqui).
São 51 verbetes explicados para jornalistas e comunicadores que precisam traduzir mitigação, adaptação e termos técnicos sem tropeçar.
É ferramenta prática para comunicar o agro ao público urbano e para evitar ruído na cobertura da conferência.





