
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, transcende a memória histórica. A data, que homenageia Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da resistência negra à escravidão, é um momento crucial de reflexão sobre as persistentes formas de racismo e desigualdade que estruturam a sociedade brasileira.
A saúde desta população exige uma abordagem de cuidado integral, que reconheça o racismo como um determinante social da saúde, conforme orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) do Ministério da Saúde. Essa abordagem busca reduzir as iniquidades, promovendo a equidade e a qualidade no atendimento.
Desigualdade e mortalidade: Os dados oficiais
A população preta e parda no Brasil é a mais vulnerável. Os dados do Boletim Epidemiológico “Saúde da População Negra” (Ministério da Saúde, 2023) e outros relatórios demonstram a disparidade nos indicadores, reforçando a urgência em tratar o racismo como uma emergência de saúde pública.
A população negra representa cerca de 70% dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) (Criola; Câmara dos Deputados/2013). No entanto, enfrenta piores desfechos clínicos:
- Mortalidade Materna por Hipertensão: Entre 2010 e 2020, os óbitos de gestantes por hipertensão aumentaram 5% entre mulheres pretas, enquanto registraram queda entre mulheres brancas (-6%) e indígenas (-30%) (Ministérios da Saúde e da Igualdade Racial, 2023).
- HIV/Aids: Em 2021, mais de 60% dos casos e óbitos por Aids ocorreram em pessoas pretas e pardas. Além disso, 67,7% das gestantes diagnosticadas com HIV eram negras (Agência Brasil; Boletim MS, 2023).
- Tuberculose: Em 2022, a doença afetou 63% das pessoas pretas e pardas (Boletim MS, 2023).
- Mortalidade por COVID-19 (Materna): A doença atingiu 63% de mulheres pretas e pardas entre os óbitos maternos em 2020 (Agência Brasil, 2023).
As doenças que apresentam maior prevalência na população negra, segundo Ministério da Saúde, são agravadas pela dificuldade de acesso ao diagnóstico e tratamento adequados, bem como pelas condições socioeconômicas e o estresse crônico impostos pela desigualdade:
- Doença Falciforme: É a doença genética mais comum no Brasil e afeta majoritariamente a população negra. Seu tratamento é dificultado pelo diagnóstico tardio e pelo acesso inadequado aos serviços de saúde, elevando as taxas de morbidade e mortalidade (MS, 2023). O Ministério da Saúde recentemente tornou sua notificação compulsória para melhorar o monitoramento.
- Hipertensão Arterial: É mais prevalente, com maior gravidade e mortalidade em pessoas negras. O estresse crônico imposto pela desigualdade social e o racismo, somado a fatores genéticos (maior sensibilidade ao sódio), dificultam o controle da pressão, elevando os riscos cardiovasculares (BVS/MS, 2022).
- Diabetes Mellitus Tipo II: A mortalidade por diabetes foi 7,2% maior entre pessoas negras do que entre brancas nos últimos 11 anos (IEPS/2024). Essa diferença é atribuída, em grande parte, às falhas no acompanhamento e no acesso a dietas adequadas e medicamentos, resultando em maiores índices de complicações, como amputações.
- Câncer de Mama: É o câncer que mais mata mulheres pretas no Brasil. O diagnóstico precoce é frequentemente perdido devido à falha na rastreabilidade e ao acesso dificultado a exames de rotina, como a mamografia, resultando em tratamentos iniciados em estágios mais avançados (YouTube/MS, 2023).
O impacto do racismo se estende ao ambiente clínico, resultando em tratamento diferenciado e subnotificação.
Mpox como exemplo de racismo ensinado para todo o mundo
A resposta internacional ao surto de Varíola dos Macacos (Mpox), a partir de 2022, é um exemplo contundente de como o racismo afeta a priorização da saúde pública global.

Por décadas, a Mpox foi uma doença endêmica em países da África Ocidental e Central, circulando sem grande mobilização internacional. No entanto, ela só foi declarada uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) pela OMS em julho de 2022, quando o vírus se espalhou por países da Europa e América do Norte.
Essa discrepância revela uma prioridade seletiva na saúde global:
- Atraso na Resposta: A doença só se tornou uma “ameaça global” digna de financiamento, pesquisa acelerada e desenvolvimento de vacinas quando deixou de ser percebida como um “problema africano”.
- Estigmatização e Linguagem: Agências da ONU, como a UNAIDS (Agência da ONU para o HIV/Aids), precisaram intervir para alertar sobre a linguagem racista e homofóbica na cobertura midiática da doença. O uso de imagens de pessoas africanas para ilustrar a doença e a associação estigmatizante a grupos específicos desviaram o foco da resposta de saúde pública e reforçaram preconceitos, o que é um fator de exclusão e atraso na busca por tratamento (UNAIDS, 2022).
Este evento demonstra como a iniquidade racial e econômica influencia a velocidade e a alocação de recursos na saúde mundial.
Outros especialistas confirmam essa visão:
- A doutoranda Mônica Mendes Gonçalves (Faculdade de Saúde Pública/USP) aponta que o racismo, muitas vezes velado, é uma “presença real” na medicina, citando que a taxa de letalidade por COVID-19 no Brasil foi de 55% nos negros, contra 38% nos brancos (Jornal da USP, 2023).
- O médico Rui Leandro (Câmara dos Deputados, 2013) ressaltou na data que “em praticamente todos os indicadores de saúde, a população negra tem desvantagem”, o que está diretamente ligado ao fato de que a maioria depende exclusivamente do sistema público de saúde.
A agenda da saúde da população negra exige o cumprimento da PNSIPN e a coleta e análise de dados desagregados por raça/cor para que as políticas públicas possam, de fato, enfrentar o racismo estrutural que adoece e mata no Brasil.





