Brasil decide: importa tilápia do Vietnã, mas trava quem produz aqui

Sextou com tilápia vietnamita no prato do brasileiro e com javali solto, discutido no Supremo e sem solução definitiva.

Enquanto o governo estuda rotular a tilápia – base da piscicultura brasileira – como espécie exótica invasora, o mesmo governo libera 700 toneladas do mesmo peixe vindo do Vietnã.
E, ao mesmo tempo, o país patina há anos para regulamentar o controle de um invasor real e reconhecido internacionalmente: o javali-europeu.

Na Comissão de Agricultura do Senado (CRA), o convite para a ministra Marina Silva – do Ministério do Meio Ambiente (MMA) – foi aprovado e tem data marcada: 3 de dezembro.

A audiência foi requerida pelo senador Jorge Seif (PL-SC), ex-secretário de Aquicultura e Pesca, e pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). A ministra ainda não confirmou presença. Se confirmar, Santa Catarina estará lá, com o secretário de Aquicultura e Pesca, Tiago Bolan Frigo, que confirmou à coluna que pretende acompanhar o debate.

Santa Catarina, aliás, é um dos pontos mais tensionados desse imbróglio: quarto maior produtor de tilápia, referência nacional em aquicultura e responsável pela maior produção de ostras e mexilhões do Brasil.

E por aqui, a mensagem é clara: a tilápia não é invasora: é economia, emprego, tecnologia e alimento.

Setor reage: enquanto trava o Brasil, o governo libera o Vietnã

A proposta em discussão na Conabio – Comissão Nacional de Biodiversidade coloca a tilápia e outras espécies aquícolas (ostras, carpas, camarão marinho e macroalgas) como potenciais invasoras.

Segundo a Peixe BR – Associação Brasileira da Piscicultura, isso cria um ambiente de insegurança jurídica e pode gerar barreiras comerciais, danos reputacionais e até pressão internacional por erradicação, já que o Brasil assumiu compromisso global de combate a espécies invasoras na COP15.

Enquanto isso, 700 toneladas de tilápia vietnamita chegam ao país – sem análise de risco concluída e mesmo após suspensão sanitária prévia por risco de TiLV – Tilapia Lake Virus.

Se o impacto econômico direto preocupa, o simbólico é revoltante: O Brasil diz ao produtor que sua tilápia é perigosa, enquanto compra a mesma tilápia lá fora.

SC reage oficialmente e com ciência

A Secretaria Executiva da Aquicultura e Pesca de Santa Catarina enviou o Ofício nº 126/2025 à Conabio, cobrando critérios técnicos, participação no processo e alertando para riscos produtivos, econômicos e sanitários.

A posição se baseia em pareceres:

  • Epagri/Cedap -Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de SC
  • UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
  • Peixe BR
  • ABCC – Associação Brasileira de Criadores de Camarão

A mensagem é direta: não há gestão ambiental séria sem base científica e sem ouvir quem produz.

Voz política: “A tilápia está de graça, mas quem paga é o produtor”

O artigo publicado aqui no portal Upiara.net, assinado pelo deputado estadual Zé Milton (Progressistas), presidente da Comissão de Pesca e Aquicultura da Alesc, resume o sentimento da cadeia produtiva:

“A pergunta que não quer calar: de qual lado o governo brasileiro está?”

Ele cobra a retirada da tilápia da lista e a revisão da importação do Vietnã, afirmando que as decisões são contraditórias, descoladas da realidade produtiva e prejudiciais ao país. (Clique aqui para ler)

Inovação: da piscicultura para a medicina

E, por falar em tilápia: enquanto o debate político emperra, a ciência avança.

A UFC – Universidade Federal do Ceará firmou contrato com empresas do setor para iniciar a produção comercial de curativos biológicos feitos com pele de tilápia — tecnologia já reconhecida internacionalmente no tratamento de queimaduras, feridas complexas e até reconstrução vaginal.

A previsão é que o produto esteja disponível no mercado:

  • Em até 5 anos para uso humano
  • Em 3 anos para uso veterinário

Brasil exporta ciência. Só falta deixar o produtor trabalhar.

Javali sim é invasor: diagnóstico nacional lançado

O MAPA – Ministério da Agricultura e Pecuária finalmente inicia levantamento nacional para mapear a presença, o impacto e os danos do javali selvagem – espécie exótica, sem predador natural e com caça controlada autorizada pelo Ibama desde 2013.

Depois de uma década tomada por achismos, o país terá, enfim, base técnica para políticas públicas reais.

Enquanto isso… a tilápia segue na lista “invasora”.

Congresso reage à judicialização do controle de javalis

A decisão do STF – Supremo Tribunal Federal de analisar se estados podem autorizar o controle e o abate de espécies exóticas invasoras, como o javali-europeu, provocou reação imediata no Congresso. Parlamentares ligados ao agro articulam urgência para projetos que garantem autonomia estadual – hoje concentrada no Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

O movimento ganhou força após o Supremo reconhecer repercussão geral sobre uma lei paulista que trata do tema, o que significa que a decisão futura terá efeito vinculante para todo o país. O julgamento ainda não tem data para ser retomado, mas no agro a leitura é clara: o STF pode dificultar o controle da espécie.

Para reduzir a insegurança jurídica, a bancada ruralista quer votar o projeto do deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que transfere a estados e municípios a competência para definir regras de controle de espécies nocivas, além de permitir o consumo e comércio da carne resultante do manejo, desde que dentro das normas sanitárias.

O texto cria ainda o Fundo Nacional de Controle de Espécies Invasoras e mecanismos de incentivo para caçadores credenciados.

O tema mobiliza também parlamentares catarinenses:
📌 o deputado Rafael Pezenti (MDB-SC) destaca que a Constituição já prevê competência concorrente dos estados para legislar sobre caça e manejo ambiental.
📌 o deputado Lucas Neves (PL-SC), autor da lei estadual que autoriza o controle do javali em Santa Catarina, defende que a decisão “fique na mão de cada estado, não de Brasília.”

Na prática, o impasse coloca três temas na mesma mesa: autonomia federativa, segurança jurídica e controle sanitário.

E, enquanto o STF discute, o campo segue cobrando resposta, antes que o problema avance mais rápido que a política.

Câmara aprova crédito especial para pesca artesanal

A Comissão de Agricultura da Câmara aprovou linha de crédito com:

  • Juros de 3% a 4% ao ano
  • Limite de até R$ 250 mil
  • Prazo de até 8 anos, com até 3 anos de carência

Voltado a pescadores artesanais e aquicultores familiares inscritos no RGP – Registro Geral da Atividade Pesqueira, o projeto segue agora para análise conclusiva das comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça.

Código georreferenciado avança no Congresso

Avança na Câmara o projeto que cria um código georreferenciado único para propriedades rurais – modernização que facilita logística, fiscalização, crédito e serviços postais no interior do Brasil.

Produtor agradece: menos papel, mais precisão.

A escolha que Brasília precisa fazer

Entre chamar de invasora uma cadeia produtiva consolidada e ignorar um animal que devasta lavouras, espalha doenças e já é reconhecido como praga; entre impor barreiras ao produtor brasileiro e abrir a porta para proteína importada; entre o discurso de sustentabilidade e a prática da insegurança jurídica – a escolha que Brasília precisa fazer não é técnica: é coerência.

Porque enquanto o STF decide se o controle do javali deve ser federal ou estadual e enquanto o Congresso tenta recuperar a autonomia dos estados, a tilápia segue na lista errada e entra no país, sem controle, pela porta da frente.

E a pergunta que ecoa no campo não mudou, pelo contrário, ficou ainda mais urgente:

Quem alimenta o Brasil: o produtor daqui ou o container lá de fora?

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