O mar engole nosso litoral, sob o olhar negacionista da direita. Por Carla Ayres

Artigo de Carla Ayres (PT), vereadora de Florianópolis, presidenta da Frente Parlamentar de Atenção às Mudanças Climáticas e deputada federal suplente

Você certamente já deve ter ouvido seus avós dizerem algo como: “o mar um dia vai tomar de volta”, se referindo aos aterros construídos para a expansão urbana das cidades. Mas a direita catarinense, tão orgulhosa das próprias “tradições”, escolheu ignorar justamente a sabedoria que dizia defender. Fechou os olhos para a realidade e agora tenta culpar o próprio mar pelos efeitos da crise climática que ajudou a agravar.

Santa Catarina está, ano após ano, no epicentro dos eventos climáticos extremos. Mesmo assim, enquanto a ciência aponta caminhos e alerta para a urgência na adoção de medidas efetivas, o nosso litoral enfrenta um fenômeno que a direita trata como um problema pontual: o avanço do nível do mar.

A elevação dos oceanos já ameaça milhares de famílias e compromete a infraestrutura das cidades litorâneas. Por décadas, a direita catarinense permitiu a ocupação predatória do solo, estimulando a especulação imobiliária que foi sendo autorizada por planos diretores feitos sob medida para o mercado, não para as pessoas. Durante anos, enfraqueceram o aparato de fiscalização ambiental, ampliaram os gabaritos, legalizaram adensamentos incompatíveis com a capacidade dos ecossistemas e transformaram zonas frágeis em canteiros de obra. A proteção ambiental foi tratada como obstáculo, enquanto interesses privados ditavam o futuro das cidades. Foi assim que manguezais viraram shoppings, restingas foram soterradas por prédios e áreas de preservação acabaram ocupadas por beach clubs. Tudo isso embalado por redes de corrupção reveladas em operações policiais como Moeda Verde, Primeiro Round, Mão Grande, Alvará, Nota Verde, APA Segura e tantas outras.

O resultado está diante de nós: ao menos oito cidades catarinenses já decretaram situação de emergência por causa da erosão costeira: Passo de Torres, Balneário Barra do Sul, São Francisco do Sul, Garopaba, Itapoá, Barra Velha, Itapema e Florianópolis. Os políticos que até ontem vibravam ao lado de Bolsonaro, torrando dinheiro público na compra de combustível para abastecer as motociatas, agora assistem o mar engolir a faixa de areia, calçadas e as casas de inúmeras famílias ao longo do litoral catarinense.

Enquanto os fenômenos climáticos extremos seguem se intensificando no nosso estado, parlamentares de Santa Catarina seguem atacando o meio ambiente em votações como a do PL da Devastação, onde 12 dos nossos 16 deputados votaram favoravelmente, a proposta do Marco temporal, aprovado por 13 dos 16 parlamentares, ou o PL do Veneno, aprovado em 2022 com 14 votos favoráveis da bancada catarinense. Soma-se a isto, o projeto de decreto legislativo que suspende as demarcações de terras indígenas no Morro dos Cavalos, na Grande Florianópolis, e em Abelardo Luz, no Oeste de Santa Catarina, de autoria do senadorEsperidião Amin, além do projeto da deputada federal Geovânia de Sá (PSDB-SC) que visa reduzir a Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca em Santa Catarina.

Estive na COP30, em Belém do Pará, onde participei de discussões sobre o enfrentamento às mudanças climáticas. Um dos temas mais debatidos – como consequência direta do aquecimento global – foi justamente a elevação do nível do mar, que ameaça países inteiros.

Ali, entre divergências e disputas geopolíticas, um consenso ficou evidente: o tempo das desculpas acabou. Não há mais espaço para omissões e negacionismo. Precisamos de ações práticas, efetivas e coordenadas entre as diferentes esferas do poder público, a comunidade científica e a sociedade civil, para evitar um futuro trágico.

Considerando que três em cada quatro catarinenses vivem em cidades da região litorânea, é imprescindível pensar em soluções de infraestrutura, habitação, mobilidade, saúde, educação, turismo e tantas outras que respondam ao deslocamento forçado de bairros inteiros que poderão ser inundados, conforme projeções da organização Climate Central.

Através da Frente Parlamentar de Atenção às Mudanças Climáticas, apresentei cinco importantes projetos que buscam preparar Florianópolis para essa realidade, como o que inclui o enfrentamento às mudanças climáticas na política de desenvolvimento urbano do município. Afinal, não se trata de uma questão de escolha entre natureza ou desenvolvimento, mas de promovermos o desenvolvimento das nossas cidades respeitando o meio ambiente e considerando os impactos da mudança do clima.

A verdade é simples: a conta do negacionismo está chegando. Quem negou a ciência, quem destruiu áreas de proteção, quem se alinhou ao discurso irresponsável de Bolsonaro, agora tenta posar de gestor moderno, mas continua empurrando o problema com a barriga. E quem vai pagar por essa omissão é você.

Não há mais tempo. Ou enfrentamos o avanço do mar com coragem e planejamento, ou Santa Catarina será engolida não apenas pelas águas, mas pela irresponsabilidade política de quem deveria defendê-la.

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