Enquanto o Brasil dá os primeiros passos rumo à substituição das lavouras de tabaco por outras culturas, o agro sul-brasileiro reage com firmeza.

A criação da Política Nacional de Alternativas em Áreas Cultivadas com Tabaco pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAAF), publicada na segunda-feira (1º), foi recebida com ceticismo por quem conhece de perto a realidade das pequenas propriedades no Sul do país.
Em paralelo, o Senado avança na digitalização do campo, a Câmara discute o reconhecimento de chácaras como propriedades rurais e o Congresso consolida a Licença Ambiental Especial.
E no tabuleiro internacional, Lula e Trump falam de tarifas, exportações e crime organizado.
Portaria de intenções: tabaco em xeque, produtores em alerta
O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAAF) publicou nesta segunda-feira (1º) a Portaria que institui a Política Nacional de Alternativas em Áreas Cultivadas com Tabaco (PNACT), em consonância com a Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco (CQCT) da Organização Mundial da Saúde (OMS). A iniciativa visa estabelecer diretrizes para diversificar culturas nas áreas onde hoje predomina o tabaco.
Entre os pilares da política estão:
- crédito agrícola direcionado;
- acesso a compras públicas e mercados institucionais;
- comercialização assistida;
- articulação com programas como o PRONAF.
A implementação será feita via Plano Nacional de Alternativas em Áreas Cultivadas com Tabaco (PLANACT), sob responsabilidade do MDAAF.AF
COP11: fumicultores à margem e a reação catarinense
Em entrevista exclusiva à Política & Agro, a presidente da CIDASC (Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina), Celles Regina de Mattos, foi categórica:
“É uma portaria de intenções, sem novidades, sem orçamento definido e sem cronograma claro. Enquanto isso, seguimos invisibilizando 40 mil famílias catarinenses que vivem do fumo”.
A dirigente acompanhou a 11ª Conferência das Partes da CQCT (COP11), realizada em Genebra, Suíça, representando Santa Catarina a pedido do governador Jorginho Mello. Ela alertou para o risco de uma política desconectada da realidade:
“SC representa 68% dos municípios com lavouras de fumo. Mais da metade dos produtores vivem da cultura em áreas de até 10 hectares. O que a COP11 apresentou foi uma visão caolha, desconectada da sustentabilidade econômica e social”.
Segundo a SindiTabaco, o Brasil exportou 206 mil toneladas de tabaco no primeiro semestre de 2025, com receita de US$ 1,36 bilhão. Santa Catarina é o segundo maior exportador do país e tem relevância estratégica no setor.
“Nós precisamos ficar atentos a qual será o valor aportado no Orçamento Geral da União. Vai ficar tudo igual? Quanto mais vai entrar em recurso para essa transição? Qual o desdobramento na linha do tempo para aplicar o orçamento destinado para essa questão da transição do tabaco? Então, até o momento, nós não temos essas respostas, não temos nada de concreto e assertivo. Por enquanto é só uma portaria de intenções”, concluiu Celles.
“Sou contra o cigarro, mas sou a favor do produtor” – diz Emerson Maas
Também presente na COP11, o prefeito de Mafra (SC) e vice-presidente da Amprotabaco (Associação dos Municípios Produtores de Tabaco), Emerson Maas, trouxe um posicionamento contundente sobre a tentativa de substituição do cultivo:
“A diversificação das propriedades produtoras de tabaco é muito importante, porém como mais uma opção de renda para as famílias produtoras, não com substituição da cultura”.
Maas destacou que o tabaco é cultivado majoritariamente por agricultores familiares em pequenas áreas, em regiões de clima frio e com topografia acidentada, condições difíceis para outras culturas com o mesmo retorno:
“Em Santa Catarina, mais de 42 mil famílias dependem diretamente dessa atividade, que movimenta mais de R$ 3 bilhões por ano na economia estadual. No Planalto Norte, são cerca de 15 mil famílias envolvidas, e a dependência dos municípios em relação a essa cultura é evidente”.
O prefeito também criticou a ilusão de que o Brasil possa simplesmente deixar de produzir sem impacto global:
“O Brasil é, desde 1993, o maior exportador mundial de tabaco, com 90% da produção destinada ao mercado externo. Se o Brasil deixar de produzir, outros países ocuparão esse espaço, e o consumo mundial não será reduzido”.
E defendeu o produtor rural contra estigmas:
“A produção segue regras socioambientais rigorosas, com fiscalização e boas práticas já consolidadas. Por isso, não podemos confundir o produtor com o fumante: o agricultor não é responsável pelo consumo de cigarros, mas sim por uma atividade econômica legal, regulada e fundamental para a sobrevivência de milhares de famílias”.
Encerrando seu posicionamento, Emerson Maas afirmou:
“Sou contra o cigarro, mas sou a favor do produtor, e defendo que qualquer política pública precisa respeitar a realidade socioeconômica dos municípios, garantindo diálogo e transição gradual, sem destruir a base econômica atual que sustenta tantas comunidades”.
Transformação digital no campo avança no Senado
A Comissão de Meio Ambiente do Senado aprovou ontem, terça-feira (2) o PL 4.132/2025, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), que cria a Política Nacional de Transformação Digital na Agricultura. A proposta, relatada pelo senador José Lacerda (PSD-MT), visa:
- expandir a conectividade rural;
- promover a capacitação digital de agricultores;
- estruturar rastreabilidade e certificação digital voluntária;
- criar os Centros de Serviço Compartilhado Digital Rural (CSC Digital Rural).
O projeto ainda tramita na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Câmara aprova definição legal para chácaras
AA Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados aprovou o PL 918/2025, que define imóveis com até 2 mil m² como propriedades rurais, desde que destinados à produção agropecuária de subsistência ou comercialização. A medida garante:
- acesso a crédito para pequenos produtores;
- isenção de taxas municipais;
- entrada em programas de assistência técnica e capacitação.
De autoria do deputado Murillo Gouvea (União-RJ) e relatado por Coronel Meira (PL-PE), o texto ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça antes de seguir ao Senado.ção e Justiça antes de seguir ao Senado.
Congresso avança na Licença Ambiental Especial
A A Comissão Mista do Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória que regulamenta a Licença Ambiental Especial (LAE), voltada a obras estratégicas. A proposta:
- mantém o modelo trifásico de licenciamento (licença prévia, de instalação e de operação);
- fixa prazo de até 1 ano para emissão da LAE;
- veda a licença por adesão e compromisso (LAC) para atividades como mineração, remoção em áreas protegidas e dragagens portuárias.
O relator, deputado Zé Vitor (PL-MG), defendeu a agilidade com responsabilidade. A análise precisa ser concluída até 15 de dezembro para a medida não perder validade.
Alô, Trump? Agro no centro da diplomacia
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou por telefone, nesta terça-feira (2), com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por 40 minutos. Lula celebrou a retirada da tarifa adicional de 40% sobre carne, café e frutas brasileiras, mas pediu celeridade nas negociações para eliminar outras tarifas ainda vigentes.
Ambos também discutiram ações conjuntas contra o crime organizado internacional, com foco na cooperação de inteligência e repressão financeira às organizações transnacionais.
O agro quer política, não improviso
A semana começou com promessas e terminou com cobranças. A portaria do governo federal sobre o tabaco pode até parecer um avanço, mas para quem está em campo, faltam orçamento, cronograma e prioridade política. O discurso “pela saúde” da COP11 desconsiderou o Brasil real – aquele que produz, exporta e sustenta milhares de famílias no Sul.
No Senado, a digitalização do campo avança com inteligência, mas exige execução prática. E enquanto o agro pede segurança jurídica, o Congresso remenda licenças ambientais a cada nova semana.
Santa Catarina ergueu a voz, e a presidente da Cidasc mostrou que o agro exige respeito, não apenas intenções. O futuro das lavouras, da inovação e das exportações depende menos de discursos e mais de planos reais – com recurso, calendário e pacto federativo.





