
O vídeo de um prefeito dentro de uma rodoviária dificilmente ganharia manchetes nacionais. Mas quando o conteúdo envolve tema sensível, como a situação de pessoas em vulnerabilidade, a conversa é outra.
O vídeo gravado pelo prefeito Topázio Neto, em que ele apresenta a estrutura da prefeitura na rodoviária de Florianópolis e aborda a presença de pessoas que vêm para a cidade sem ter onde morar, viralizou. E viralizar é sempre uma faca de dois gumes na política: entrega alcance, mas você corre o risco de perder o controle da narrativa.
O ponto aqui não é discutir a política pública em si, mas sim a estratégia adotada e seus impactos na reputação, especialmente quando falamos de um prefeito cuja imagem sempre transitou mais na faixa moderada do espectro político, embora aliado ao PL.
Um gestor com boa reputação costuma ter o que chamo de colchão reputacional: aquela reserva de confiança acumulada que absorve desgastes e impede que um episódio vire tempestade. Topázio tem, e isso é fato. Uma reputação construída na moderação, no diálogo e em uma gestão técnica.
Mas colchão reputacional não substitui prudência. Pelo contrário: quanto mais capital reputacional se tem, maior a responsabilidade na hora de usá-lo.
E aqui entra o ponto central: mesmo sem estética de provocação, o vídeo aciona um código narrativo que costuma ser lido como denúncia. O prefeito aparece em campo, explica a operação, mostra o ambiente e descreve a situação. Esse tipo de registro, por mais informativo que seja na intenção, amplia o potencial de viralização e desloca o conteúdo do terreno da política pública para o da disputa de percepções – movimento sempre delicado quando o tema envolve vulnerabilidade humana.
Dá para argumentar que ele criou conteúdo para a direita, majoritária em Santa Catarina. É verdade. Mas comunicação pública não se limita ao público de afinidade. Toda vez que um gestor adota um tom que pode ser lido como falta de empatia, ele amplia o risco de polarização desnecessária.
Não se trata de “não falar sobre o problema”, mas de como falar.
A imprensa, e o Fantástico é a prova disso, não reagiu ao tema em si, mas ao modo como o tema foi apresentado.
Se a operação tivesse sido mostrada em formato estritamente informativo, com linguagem de política pública, focando equipe técnica, dados e resultados, talvez o episódio passasse sem ruídos ou, no mínimo, sem virar pauta nacional.
Ao optar por registrar pessoalmente a visita, em um conteúdo que aciona gatilhos emocionais – indignação, urgência, confronto implícito – o prefeito potencializou a repercussão. O formato virou a notícia.
Topázio é, até aqui, um prefeito percebido como equilibrado, eficiente e pragmático. Essa reputação não some por causa de um vídeo, evidentemente. Mas episódios como esse ensinam uma lição importante para qualquer líder público: a comunicação deve reforçar a reputação construída, não tensioná-la.
Quando o formato de um conteúdo não conversa com o histórico reputacional de um gestor, o efeito pode gerar desalinhamento. E desalinhamentos são sempre oportunidades para críticas, leituras enviesadas e ruídos.
Há temas em que firmeza é necessária, e a situação de rua é um deles. Mas firmeza não é sinônimo de teatralização. O próprio Topázio entendeu isso ao demitir o ex-secretário da pasta, conhecido por transformar um problema grave em espetáculo.
Existe um ponto, quase imperceptível, em que a narrativa forte deixa de comunicar política pública e começa a ser lida como falta de empatia. E nesse ponto, o preço reputacional pode ser alto, especialmente para figuras de centro, que dependem justamente da moderação como ativo político.
No fim, isso ilumina algo essencial: num cenário de hiperexposição, a forma como se comunica pode ser mais decisiva do que o conteúdo.
Quando um gestor reconhecido pela moderação usa uma estratégia que amplifica a polarização, ele arrisca gastar mais capital reputacional do que gostaria, mesmo quando a intenção é mostrar trabalho.
A pergunta que eu me faço é simples: o vídeo contribuiu para a solução de um problema antigo ou apenas criou um novo?





