Responsabilidade do Varejista pelos Vícios do Produto: como minimizar prejuízos com boas práticas internas. Por Vitor Esmanhotto da Silva

Artigo de Vitor Esmanhotto da Silva, advogado e sócio do Núcleo Relações de Consumo da Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados

O nosso Código de Defesa do Consumidor (CDC) apresenta duas sistemáticas de responsabilização do fornecedor, quais sejam a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço e a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço. Ambos os regimes possuem particularidades e são essencialmente diversos, aptos a serem aplicados em situações distintas. Enquanto o primeiro tem lugar quando se verifica um defeito no bem de consumo (entendido como a desconformidade entre o bem e a legítima expectativa de segurança do consumidor, correlacionado com os acidentes de consumo), o segundo é aplicável em casos em que estão presentes vícios de impropriedade ou inadequação, ou seja, problemas mais corriqueiros e que não afetam a saúde do consumidor.

A responsabilização pelo fato do produto/serviço, em regra, terá lugar em situações mais graves, enquanto a responsabilização pelo vício é muito mais frequente no mercado de consumo, especialmente na atividade do varejista, sobre o que será a seguir tratado. Mostrar-se despreparado para lidar com as regras que regem essas situações pode gerar prejuízos reputacionais e financeiros, especialmente com a atuação cada vez mais proativa dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).

Não pode fugir à análise do varejista o fato de que a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço está submetida à regime de solidariedade, de maneira a tornar responsáveis todos os integrantes da cadeia de fornecimento. Isso significa que, se um produto apresentar um vício de qualidade ou quantidade que o torne impróprio ou inadequado para o consumo, ou que lhe diminua o valor, o consumidor pode acionar tanto o fabricante quanto o varejista, ou qualquer outra empresa da cadeia (importador, distribuidor, etc.).

Nessa situação, conforme a norma, terão os fornecedores 30 (trinta) dias para sanar o vício, sob pena de permitir que o consumidor exija, à sua escolha, a substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço.

Diante desse cenário de responsabilidade objetiva e solidária, a melhor estratégia para o varejo é adotar uma postura de compliance consumerista eficiente, focada na prevenção de danos e na gestão eficiente de riscos. Minimizar prejuízos não se trata apenas de reduzir o número de trocas, mas de evitar ações judiciais onerosas e o desgaste da imagem.

Algumas rotinas podem auxiliar o varejista na prevenção de situações adversas ligadas à responsabilidade pelo vício do produto, a começar com atentar-se para os seus fornecedores. É crucial que o comerciante atue de forma diligente na escolha de seus parceiros, garantindo que os produtos que oferece são de qualidade, atendam à normas técnicas aplicáveis e que a assistência técnica disponibilizada seja eficiente no atendimento ao consumidor. É interessante a manutenção de um registro do histórico de qualidade e do índice de vícios de cada fornecedor como uma medida de gestão de risco na origem, evitando introduzir produtos problemáticos na cadeia.

Paralelamente, é vital o treinamento constante da equipe de atendimento, de forma que o vendedor conheça CDC e atue em respeito às suas normas. A equipe de primeira linha no contato com o cliente deve conhecer a sistemática de responsabilidade pelo vício do produto, o prazo legal de 30 dias para reparos e as opções do consumidor, adotando estratégias que respeitem os direitos garantidos pela legislação e previnam prejuízos para o comerciante. É imperativo criar um protocolo padrão para registro de vícios, que inclua a descrição detalhada do problema, data de recebimento e a emissão de um comprovante para reparo, deixando claro que o prazo legal está correndo.

A logística reversa e assistência técnica eficientes são o coração da mitigação de riscos. A ineficiência no tratamento de vícios é a principal causa da judicialização, pois o varejista é o gestor do prazo de 30 dias perante o consumidor. Assim que o produto com vício é recebido, a comunicação com a assistência técnica deve ser imediata. Para produtos de alto giro ou baixo valor, uma política interna para a troca imediata em casos evidentes de vício, antes mesmo de esgotar o prazo, serve como uma excelente medida de gestão de imagem e fidelização, minimizando o risco de reclamação formal.

Por fim, a transparência na informação e no pós-venda é uma ferramenta de defesa, pois muitos vícios alegados resultam de mau uso. Assegurar que a venda inclua manuais e instruções claras e completas em português é fundamental. Além disso, após o reparo, o varejista deve documentar e comunicar ao consumidor que o vício foi sanado, mantendo o registro por um período seguro.

Em síntese, o sistema de responsabilização do artigo 18 do CDC deve ser entendido pelo comerciante como como um risco comercial a ser administrado. O respeito aos direitos dos consumidores contribui para a experiência do cliente e é capaz de gerar valor para a marca do varejista. Não há dúvida de que a excelência na gestão do risco consumerista, por meio de procedimentos internos sólidos, é um investimento que reduz o passivo judicial e constrói uma reputação de confiança, transformando a crise do vício em um diferencial estratégico no mercado.

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