O Planalto decidiu lavar as mãos no discurso do clima e empurra o custo político na exportação.

Na inauguração da nova sede da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), ontem, segunda-feira (15), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi direto ao ponto: se a derrubada dos vetos ao novo marco do Licenciamento Ambiental gerar ruído climático no exterior, quem perde mercado não é o Planalto — é o agro exportador.
O recado veio no mesmo dia em que o governo aprovou o Plano Clima 2024–2035, com metas que reorganizam a conta das emissões da agricultura e da pecuária, e às vésperas da decisão final sobre o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, que entra nesta semana em sua fase mais crítica, com votação marcada para sábado (20).
Entre discurso ambiental, negociação comercial e medidas emergenciais de mercado, o agro amanhece pressionado por três frentes — política, clima e comércio exterior — enquanto tenta manter previsibilidade dentro da porteira.
Plano Clima sai do forno e redistribui a fatura
Também nesta segunda-feira (15), o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) aprovou o Plano Clima 2024–2035, que passa a orientar a política climática brasileira até 2050.
A meta central é limitar as emissões líquidas do país a 1,2 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente até 2030, com redução progressiva até alcançar neutralidade climática em 2050.
A versão final trouxe alívio parcial ao setor agropecuário após forte reação à proposta inicial, que atribuía à agricultura e à pecuária uma conta inflada por emissões de desmatamento fora do controle direto do produtor. O governo, pressionado por entidades do agro e pelo próprio Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), optou por dividir a fatura em três Planos Setoriais de Mitigação (PSMs).
Como ficou a meta do agro no papel
Com a nova configuração, o PSM da Agricultura e Pecuária passa a considerar apenas as emissões diretamente ligadas à atividade produtiva e ao uso de combustíveis no campo. Nesse recorte, o setor poderá aumentar em até 1% suas emissões em 2030, alcançando 649 milhões de toneladas de CO₂ equivalente.
O desmatamento foi redistribuído em outros dois planos:
- Mudança do Uso da Terra em Áreas Rurais Privadas, com meta de redução de 70% das emissões até 2030;
- Mudança do Uso da Terra em Áreas Públicas e Territórios Coletivos, que prevê redução de 140%, transformando áreas hoje emissoras em sumidouros de carbono.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirma que o texto final é resultado de negociação “ponto a ponto” e que o setor ganhou previsibilidade. O agro, no entanto, segue cauteloso e quer ver todas as regras consolidadas no Diário Oficial antes de baixar a guarda.
Mercosul–UE entra na semana decisiva
Após quase três décadas de negociação, o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul chega à sua fase mais sensível. A expectativa é que os países europeus votem o texto até sexta-feira (19), permitindo a assinatura oficial no sábado (20), durante a Cúpula do Mercosul, no Brasil.
O acordo criaria uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, com mercado potencial de 722 milhões de pessoas e PIB combinado de US$ 22 trilhões. Apesar disso, a resistência de países como a França segue impondo incertezas, especialmente no que diz respeito à proteção da agricultura europeia.
Salvaguardas agrícolas acendem alerta
Nesta terça-feira (16), o Parlamento Europeu aprovou mecanismos mais rígidos de salvaguarda para importações agrícolas do Mercosul. Pelo texto, a União Europeia poderá suspender benefícios tarifários caso as importações de produtos considerados sensíveis aumentem 5% na média de três anos — um gatilho mais severo que o inicialmente proposto.
Além do volume, as salvaguardas também poderão ser acionadas se os produtos não atenderem aos padrões ambientais e produtivos da UE. A medida adiciona uma camada extra de pressão sobre o agro brasileiro, que vê o acordo avançar, mas sob regras cada vez mais condicionadas.
Fávaro: “melhor assinar e aperfeiçoar depois”
Questionado sobre as salvaguardas, o ministro Carlos Fávaro afirmou que o governo brasileiro está disposto a discutir ajustes, mas defende a assinatura imediata do acordo. Segundo ele, a busca por um texto “perfeito” foi justamente o que atrasou o tratado por mais de 25 anos.
Para o ministro, o caminho é implementar o acordo gradualmente e aprimorá-lo ao longo do tempo, garantindo acesso a mercados e previsibilidade para o setor exportador. A leitura do governo é clara: o custo de não assinar é maior do que o risco de negociar salvaguardas no futuro.
Socorro ao trigo e ao arroz sai do papel
Enquanto o debate climático e comercial avança, o governo autorizou, na sexta-feira (12), medidas emergenciais para apoiar produtores de trigo e arroz.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) foi autorizada a realizar leilões de Prêmio Equalizador Pago ao Produtor Rural (Pepro) e Prêmio para Escoamento de Produto (PEP).
Serão destinados cerca de R$ 167 milhões para as operações, com foco em garantir comercialização e escoamento da produção. As portarias foram assinadas pelos ministérios da Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e Agricultura e Pecuária. Os editais detalhados devem ser divulgados ainda nesta semana.
Censo Agro depende de R$ 700 milhões
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aguarda a aprovação de R$ 700 milhões no Orçamento da União para viabilizar os preparativos do próximo Censo Agropecuário. Sem os recursos, a coleta, inicialmente prevista para 2026, foi adiada para 2027.
O valor solicitado cobre apenas a fase preparatória — testes, contratação de analistas e aquisição de cerca de 27 mil tablets. A coleta em campo exigirá, futuramente, mais R$ 1,8 bilhão. O censo pretende levantar dados de aproximadamente 5 milhões de estabelecimentos agropecuários e incluir temas como perdas climáticas, sucessão familiar e uso de tecnologia.
Discurso verde, conta marrom
Entre o discurso climático no palco da Apex, o empurra-empurra do licenciamento ambiental, as salvaguardas europeias e a dependência de socorros oficiais, o agro brasileiro segue no centro do tabuleiro político.
O governo fala em responsabilidade ambiental, o mercado cobra previsibilidade e o produtor continua fazendo contas — agora, também de carbono. No fim, a retórica é global, mas a fatura segue chegando primeiro no campo.





