O clima resolveu brincar de extremos na reta final do ano — e a política seguiu o mesmo roteiro. Em poucos dias, o Sul saiu do quase 40°C para geada e voltou ao calorão; no Centro-Oeste, a chuva veio com força de alerta máximo.

Em Brasília, Executivo, Legislativo e Judiciário também passaram longe da estabilidade.
Enquanto o produtor tentava ler o céu, o Supremo redesenhou o mapa fundiário, o Planalto colocou pressão no Mercosul, o Congresso correu para fechar votações e o campo terminou 2025 fazendo contas apertadas.
A última curva dessa montanha-russa atende pelo nome cebola — produtiva, eficiente, mas com preço que não acompanha o esforço de quem planta.
Cebola no limite: produção sobe, renda cai
A safra 2025/26 de cebola promete volume e qualidade no Sul do Brasil, mas a rentabilidade voltou a preocupar. Em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, os preços pagos ao produtor seguem abaixo do custo de produção, repetindo um roteiro que vem se desenhando ao longo do ano.
No campo, a sensação é de mais um ciclo frustrado: produtividade alta, manejo correto, tecnologia aplicada — e conta que não fecha no fim da safra.
Santa Catarina lidera, mas sente o baque
Santa Catarina segue como líder nacional da cebolicultura, respondendo por cerca de um terço da produção brasileira. A estimativa para a safra 2025/26 é de 597 mil toneladas, alta de 7,3% em relação ao ciclo anterior, segundo a Epagri.
O crescimento não veio apenas da ampliação de área, mas de ganhos expressivos de produtividade, especialmente na região de Ituporanga, principal polo produtor do Estado. O problema é que o mercado não acompanhou o desempenho da lavoura.
Preço baixo trava a porteira
Hoje, o produtor catarinense recebe entre R$ 0,80 e R$ 1,00 por quilo, valor que não cobre o custo médio de produção, estimado entre R$ 1,40 e R$ 1,45. Mesmo com alguma reação pontual, o preço segue longe do patamar mínimo necessário para garantir rentabilidade.
Para fechar a conta, produtores apontam que o quilo da cebola precisaria girar em torno de R$ 2,00.
Abaixo disso, o risco é de desestímulo, redução de investimento e abandono gradual da atividade.
Produtividade cresceu 300% — e isso pesa no mercado
O paradoxo da cebola catarinense é claro. Em 50 anos, a produtividade cresceu 300%, saltando de 7,2 toneladas por hectare para 28,8 t/ha. Esse avanço é resultado direto da pesquisa e da extensão rural da Epagri, que desenvolveu cultivares mais resistentes, produtivas e adaptadas ao clima.
Hoje, cerca de oito mil famílias vivem da cultura no Estado, e a cadeia movimenta entre R$ 600 milhões e R$ 900 milhões por ano, sendo a hortaliça de maior valor bruto da produção catarinense.
Tecnologia sustentável, custo menor — mas mercado travado
Além das cultivares, técnicas como o Plantio Direto de Hortaliças (SPDH) ajudaram a reduzir erosão, uso de defensivos e elevar a produtividade em até 22%. O produtor fez a lição de casa: produziu mais, melhor e com sustentabilidade.
O problema veio de fora da porteira. A combinação de excesso de oferta nacional, concorrência da importação argentina e retração do comércio exterior pressionou os preços e anulou os ganhos de eficiência.
Importação cai, mas não salva o produtor
Com a safra nacional forte, o Brasil reduziu as importações de cebola em mais de 50% em 2025. No segundo semestre, os volumes praticamente secaram. Ainda assim, o estrago já estava feito: o mercado interno saturado manteve as cotações deprimidas, especialmente no Sul.
O resultado é apreensão generalizada e a expectativa de ajustes na área plantada para os próximos ciclos.
STF derruba o marco temporal e reacende insegurança
No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal formou maioria para declarar inconstitucional a tese do marco temporal. Com placar de 6 a 0, caiu a ideia de usar 5 de outubro de 1988 como linha de corte para demarcações de terras indígenas.
Na prática, o STF retirou do campo uma das poucas âncoras de previsibilidade fundiária que haviam sido aprovadas pelo Congresso em 2023.
E agora? Embargos, PEC e mais judicialização
A margem de manobra no Supremo é curta. Advogados falam em embargos de declaração e modulação de efeitos, mas o próprio setor admite que a aposta principal migra para o Congresso, com a tentativa de aprovar uma PEC do marco temporal.
Mesmo assim, o risco de nova judicialização permanece. Como resumiu um dirigente do agro: “no Brasil, nem o passado está completamente garantido”.
CNA: indenização é linha vermelha
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) já esperava o desfecho, mas reforça um ponto central: indenização integral ao produtor de boa-fé. Para a entidade, corrigir injustiças históricas não pode criar novas injustiças com quem tem título legal e investiu na terra.
Mercosul: Lula dá ultimato e endurece o jogo
No Executivo, o presidente Lula resolveu apertar o freio na novela Mercosul–União Europeia. Na última reunião ministerial do ano, realizada na quarta-feira (17), o presidente avisou que, se o acordo não for assinado agora, o Brasil não volta a discutir o tema enquanto ele estiver no cargo.
O recado veio após novos entraves de França e Itália e a criação de salvaguardas agrícolas internas na UE, vistas como barreiras disfarçadas. O risco de retaliação cruzada entrou no radar.
Logística em pauta: crédito e máquinas
Fechando o ano, o governo criou uma linha de R$ 6 bilhões para renovação da frota de caminhões, via BNDES, com foco em sustentabilidade e substituição de veículos antigos. A medida impacta diretamente o custo logístico do agro.
Na Câmara, avançou também o projeto que moderniza as regras de circulação de máquinas agrícolas, trazendo segurança jurídica para tratores e colheitadeiras nas estradas — um ajuste tardio, mas necessário, à realidade do campo.
O ano acaba, a conta fica e a esperança também
O agro encerra 2025 como começou: produzindo muito, negociando duro e convivendo com regras que mudam no meio do caminho. O clima virou montanha-russa, a política também. A cebola mostrou que eficiência não garante renda. O Supremo mexeu no mapa. O governo apertou o discurso.
A Política e Agro faz uma pausa. O campo, não.
Aos Agroamigos que seguraram firme mais um ano de intempéries, custos altos, decisões difíceis e pouco descanso: um Feliz Natal!
Que 2026 venha com clima mais previsível, mercado mais justo e políticas públicas que enxerguem quem produz.
Que seja um ano de colheitas eficientes, contas que fechem e porteiras abertas para seguir produzindo.
A gente se reencontra em janeiro. 🌾✨





