Durante meses, eu fiz uma coisa pouco glamourosa e profundamente solitária: observei a política brasileira em silêncio. Não em discursos oficiais, não em entrevistas cuidadosamente editadas, não em frases de efeito escolhidas para a manchete do dia seguinte. Observei a política brasileira onde ela hoje se expõe sem mediação, sem filtro institucional e sem pausa: nas redes sociais. Mais especificamente, no Instagram, esse território que virou, sem alarde, uma das principais arenas de poder do país.
Este texto nasce desse mergulho prolongado. Não é fruto de uma intuição súbita, nem de uma leitura apressada de conjuntura. Ele nasce de um estudo extenso, paciente, repetitivo até a exaustão, que acompanhou a comunicação digital de deputados, senadores, governadores e prefeitos das principais cidades brasileiras ao longo de todo o ano de 2025. Um trabalho que exigiu coletar, organizar, classificar e reler milhares de publicações, 281.672 posts para ser exato, acumulando 1.673.486.590 de interações e, principalmente, tempo. Tempo suficiente para que os dados deixassem de ser apenas números e começassem a contar uma história.
A primeira impressão é quase enganosa. A política fala o tempo inteiro. Governadores falam todos os dias. Prefeitos falam todos os dias. Parlamentares falam todos os dias. A política deixou de se comunicar em momentos específicos — eleições, crises, votações decisivas — e passou a se comunicar em fluxo permanente. A sensação inicial é de excesso, de caos contínuo, de um grande emaranhado de falas simultâneas disputando atenção.
Mas quando os dados são organizados, algo muda. O barulho começa a se ordenar. O primeiro grande achado é simples e brutal: nem todos falam com o mesmo peso. Existe uma concentração extrema de atenção política. Um grupo muito pequeno de perfis concentra uma fatia desproporcional do engajamento nacional. Não se trata de uma distribuição gradual, nem de uma escada previsível. É um salto. Um degrau abrupto. Um abismo entre quem ocupa o centro da arena digital e quem permanece na periferia dela, mesmo exercendo cargos igualmente relevantes do ponto de vista institucional. 16 perfis tem mais engajamento nas redes que todos os demais atores, juntos.
Isso vale para o Congresso Nacional. Vale para governos estaduais. Vale para grandes prefeituras. O Instagram não espelha o desenho formal do poder. Ele cria o seu próprio. Um desenho onde influência não se mede por cargo, mas por capacidade de converter postagem em reação. Curtidas, comentários, compartilhamentos. Atenção transformada em movimento visível.

A partir daí, o estudo começa a revelar algo ainda mais decisivo: o formato deixou de ser acessório e passou a ser determinante. Reels dominam o ambiente político digital brasileiro. Isso já era perceptível empiricamente. Mas os dados mostram algo mais refinado — e mais desconfortável para quem acreditou ter encontrado uma fórmula definitiva.

Não é qualquer Reel que funciona. Existe uma diferença clara, estatisticamente observável, entre vídeos que parecem vivos e vídeos que parecem fabricados.
Durante um período recente, especialmente entre gestores do Executivo, consolidou-se um modelo de comunicação que parecia imbatível: vídeos curtos, bem iluminados, enquadramento fixo, fala ensaiada, discurso linear, estética limpa, um tom institucional levemente humanizado. Um formato pensado para transmitir eficiência, controle e proximidade ao mesmo tempo. Esse modelo foi consagrado por alguns nomes — entre eles o prefeito Topázio Neto — e rapidamente passou a ser replicado país afora como um manual informal de “boa presença digital”.
Por um tempo, funcionou.
Os dados de 2025 mostram que esse ciclo se encerrou.
Quando todos os Reels analisados são organizados por desempenho, surge um padrão impossível de ignorar: os vídeos mais roteirizados, mais ensaiados, mais “certinhos” se concentram de forma desproporcional nos 15% de piores resultados de engajamento entre todos os Reels políticos do país. Não se trata de casos isolados. É recorrência. É padrão. Quanto mais mecanizado o formato, menor tende a ser a resposta.
Esse talvez seja um dos achados mais relevantes de todo o estudo. Porque ele desmonta uma crença que se espalhou rapidamente na política brasileira: a ideia de que digitalizar é, essencialmente, profissionalizar a forma. O que os dados mostram é que, em algum ponto, o excesso de forma passou a anular o conteúdo. O público — e o algoritmo — aprenderam a reconhecer o que soa previsível. O que parece resposta automática. O que transmite a sensação de ter sido gravado porque “era hora de postar”, não porque havia algo urgente a dizer.
Os Reels que melhor performam hoje compartilham uma característica difícil de simular: eles parecem situados no tempo. Soam como reação, como resposta imediata, como fala que poderia ter sido gravada minutos antes da publicação. Mesmo quando há equipe, edição e estratégia por trás, há um esforço visível para não parecer ensaiado demais. A estética do controle absoluto perdeu força. As redes passaram a punir o que soa engessado.
Isso não significa que improviso virou virtude universal ou que produção virou defeito. Significa que a credibilidade narrativa passou a ser central. O público responde menos à perfeição e mais à sensação de presença, a tal horizontalidade.
Quando se observa os temas abordados, outro mito cai. Não há uma infinidade de assuntos dominando a política nas redes. Há alguns grandes eixos que se repetem continuamente: Brasil, cotidiano, economia prática, identidade, valores, conflitos institucionais. Eles atravessam cargos, ideologias e regiões. O diferencial não está no tema, mas na forma como ele é apresentado e no momento em que é lançado.
Dois políticos podem falar exatamente da mesma coisa no mesmo dia. Um mobiliza centenas de milhares de interações. O outro passa quase despercebido. Os dados indicam que isso tem menos relação com o assunto em si e mais com como ele é narrado, quando ele é narrado e em que formato ele chega ao feed.

O tempo, aliás, se mostra um personagem central nessa história. O engajamento político ao longo de 2025 não foi linear. Ele oscilou como maré. Houve meses de retração, de dispersão, de menor intensidade. E houve meses de explosão, em que a política voltou a dominar completamente a conversa pública. Setembro aparece como ápice desse movimento, concentrando tensões institucionais que embalaram os posts até o final do ano. As redes não criam o mundo sozinhas. Elas reagem ao mundo quando ele esquenta, e amplificam esse calor.

Há também dados que não pedem interpretação, apenas reconhecimento. Mulheres políticas postam menos, recebem menos interações e aparecem menos entre os perfis de maior alcance. Mesmo quando se controla formato, frequência e tema, a diferença persiste. É estatística. O ambiente digital político brasileiro segue distribuindo atenção de forma desigual, e isso aparece com clareza quando os números são colocados lado a lado.
Depois de meses olhando para esse material, a sensação final não é de encerramento. A política brasileira em 2025 passou por uma reorganização silenciosa de linguagem. Quem compreendeu os formatos vivos, no tempo certo, ocupou espaço. Quem tentou apenas replicar fórmulas consagradas acabou falando para menos gente. A comunicação política digital deixou de premiar o que é apenas bem produzido. Passou a premiar o que parece real, situado, não mecânico.
Este texto não pretende julgar. Ele pretende registrar. Transformar intuição em evidência. Sensação em padrão. Impressão em dado. Deixar documentado que, ao final de 2025, a política brasileira já não cabe mais nas explicações antigas. Ela precisa ser medida. E, sobretudo, compreendida no formato em que hoje se apresenta ao país.
Porque, gostemos ou não, é ali, entre um vídeo curto e outro, entre um gesto aparentemente espontâneo e outro cuidadosamente calculado, que uma parte decisiva da política brasileira está acontecendo agora.
E este estudo existiu para provar isso. Os dados brutos serão divulgados em um PDF completo em Janeiro, aqui neste mesmo espaço, o estudo foi realizado pela equipe da Bn3 – Marketing Baseado em Números
Um feliz 2026 para todos!





