A eleição da Venezuela na internet: oposição tem um rosto nas ruas e nas redes, outro na urna

Venezuela tem eleições presidenciais marcadas por guerrilha digital

Neste domingo, os venezuelanos irão às urnas para eleger um novo presidente em um ambiente marcado por restrições democráticas. O governo adotou diversas medidas que, no mínimo, prejudicam a capacidade dos concorrentes de disputarem em condições de igualdade. No entanto, o que realmente chama a atenção na eleição da Venezuela é a intensa guerrilha digital que está ocorrendo nas redes sociais.

Quando comecei a acompanhar as eleições venezuelanas, rapidamente percebi que seria impossível relatar as análises dia após dia, como fiz nas eleições argentinas do ano passado. A complexidade da eleição venezuelana é imensa, e isso se deve a vários fatores que explicarei a seguir.

Protagonismo e o papel de Maria Corina Machado

Embora os principais concorrentes sejam Nicolás Maduro e Edmundo González Urrutia, a verdadeira protagonista da eleição online é a candidata de oposição impedida, Maria Corina Machado. Nos últimos dois meses, ela acumulou mais de 54 milhões de reações em suas redes sociais, enquanto Maduro não chegou a 10 milhões, segundo dados das próprias plataformas.

A Máquina de Desinformação na Venezuela

A desinformação tem sido produzida de forma profissional por ambos os lados, utilizando redes coordenadas de distribuição de conteúdo e mídia paga. Isso transformou todas as plataformas, especialmente o X, em um verdadeiro caldeirão de mentiras, manipulações e absurdos. As fraudes variam desde casas de apostas que “preveem” as chances de vitória de determinados candidatos, passando por manipulações de imagem, deepfakes, institutos de pesquisa falsos e, principalmente, um exército de bots e contas falsas.

Na última semana, uma enquete suspeita no X recebeu 66 mil votos para o candidato do governo, demonstrando a escala das manipulações.

Rumores e boatos como pano de fundo da eleição da Venezuela

Rumores e boatos têm sido amplamente utilizados para influenciar a percepção pública. As campanhas de Maria Corina e Edmundo têm se concentrado em mostrar força e viabilidade através de vídeos com grandes multidões nas ruas, testemunhos emocionantes e uma cobertura fotográfica intensa. Esta estratégia tem se mostrado eficaz, contrastando com a tradicional abordagem de promessas e plataformas políticas.

@mariacorinaya_ Caracas, apoteósica de punta a punta!!! Hoy comenzamos oficialmente la campaña con @Edmundo González Urrutia ♬ sonido original – María Corina Machado

O vídeo mais popular da campanha, publicado por Maria Corina no TikTok, durante um ato em Caracas, recebeu 1,6 milhão de reações, evidenciando o poder das redes sociais em mobilizar e engajar eleitores.

Redes orgânicas

As redes de apoio a Maria Corina têm se mostrado extremamente orgânicas e focadas em conectar-se com públicos específicos com mensagens claras. Essa abordagem é semelhante às estratégias de Javier Milei e Jair Bolsonaro, transformando eleitores em verdadeiros amplificadores da campanha.

O papel do eleitor na campanha da Venezuela

Os conteúdos oficiais dos candidatos servem apenas como ponto de partida. O verdadeiro sucesso está em conseguir que os usuários criem e compartilhem seus próprios conteúdos, ampliando o alcance das mensagens. Comentários como “Se Edmundo vencer, volto ao meu país” mostram não apenas a participação ativa dos eleitores, mas também a influência daqueles que não poderão votar.

Fact-checking: A batalha pela verdade

A página @cazamosfakenews desempenhou um papel crucial na verificação de fatos falsos divulgados contra a campanha de oposição. Infelizmente, o site foi bloqueado na Venezuela nos últimos dias antes da eleição, em uma clara ação de censura promovida pelo governo.

Mídia paga sob controle

Os anúncios pagos também desempenharam um papel importante, com milhões de dólares investidos. As plataformas conseguiram manter um equilíbrio razoável, permitindo críticas a ambos os lados de maneira relativamente “limpa”.

Conclusão

Nas tumultuadas eleições de amanhã na Venezuela, tudo pode acontecer. O que fica claro é que, no campo das redes sociais, o governo, apesar do enorme aparato de desinformação montado, perdeu a batalha para uma campanha que soube ocupar o centro do tabuleiro digital. Utilizando o único ativo que jamais pode ser substituído em qualquer estratégia política – as pessoas –, a oposição demonstrou a força do engajamento orgânico e da participação cidadã.

As eleições de 2024 na Venezuela serão lembradas não apenas pelo resultado nas urnas, mas também pela intensa e sofisticada guerrilha digital que definiu o curso da campanha. A batalha pelo coração e pela mente dos eleitores foi travada em grande parte nas redes sociais, e o impacto dessas estratégias digitais reverberará por muito tempo após o fechamento das urnas.

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