A Grande Ilusão Política: bastidores, truques e o fio que move a encenação. Por Marcelo Senise

Artigo de Marcelo Senise, presidente do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial Sociólogo e marqueteiro político Fundador da Agência Social Play e CEO da CONECT IA. Especialista em inteligência artificial aplicada na Comunicação Política

Se você acha que a política se decide no plenário, está olhando para o palco — não para a coxia. Nos corredores, nada é por acaso. Um vazamento “oportuno” aqui, como a divulgação de um documento estratégico às vésperas de uma votação; um corte de vídeo milimétrico ali, que inverte o sentido de uma fala; uma estatística sem contexto que vira manchete, ignorando o cenário maior; um meme irresistível que inaugura a pauta do dia, ditando a narrativa. A engrenagem funciona em silêncio, cronometrada pela velocidade do feed e lubrificada por certezas fáceis. O resultado não é apenas distorção: é cansaço programado. Quando a atenção cede, alguém ganha o volante da percepção pública — e, com ele, o mapa do poder.

A política contemporânea não disputa apenas votos; disputa imaginação. Emoção virou instrumento, dúvida virou arma, conveniência virou critério. Não é preciso convencer todo mundo do mesmo roteiro; basta isolar públicos, inflar identidades, transformar nuances em traição. No ritmo frenético de lives, cortes e threads que prometem “entender tudo em 30 segundos”, a complexidade é rebaixada a ruído. Nesse vácuo, florescem as táticas conhecidas — e cada vez mais baratas, rápidas, personalizadas. Perfis automatizados que simulam consenso. Escândalos em série para saturar filtros críticos. Checagens de fachada que servem como selo retórico. “Pautas-bomba” lançadas na hora exata para esmagar qualquer conversa que não interesse. Agora, a cereja digital: imagens, áudios e vídeos sintéticos, convincentes o suficiente para parecerem inevitáveis. Não é magia; é método.

O truque, para quem opera os bastidores, é simples: transformar a percepção em terreno de batalha e a pressa em aliada. O adversário vira caricatura, o debate vira torcida, a divergência vira teste de fidelidade. Quando isso acontece, a democracia vira coreografia: a plateia aplaude antes de entender a peça. É aí que a desconstrução — a verdadeira — entra em cena. Não como cinismo, mas como disciplina. Não como denúncia vazia, mas como método. Perguntar “quem ganha com isso?” antes do clique. Reconstituir contexto amputado. Distinguir erro de impostura, crítica honesta de difamação programada. Escutar com rigor, desconfiar com método, refutar com precisão. Fazer o trabalho que algoritmos evitam: devolver profundidade ao que foi projetado para ser raso.

Escrevi “A Delicada (ou não) Arte da Desconstrução Política” como um convite a essa prática — um manual de leitura política para tempos de distração industrializada. Não há purezas nem soluções mágicas nas páginas; há ferramentas. Mapas para identificar a engenharia de discursos. Exemplos que expõem “viradas de narrativa” sem reproduzir seus vícios. Critérios para separar fato de encenação quando “pesquisas” aparecem como oráculos e desaparecem como poeira. E uma discussão direta sobre o novo componente desse jogo: a inteligência artificial, já onipresente nas campanhas, nas crises e nas guerras de versão que moldam a opinião pública. Não é o futuro; é o agora. E, se não entendermos o “como” por trás do “o quê”, continuaremos reagindo à fumaça enquanto os refletores mudam de lugar.

Se você já teve a sensação de que “bombas” surgem sempre no minuto exato, de que rótulos substituem argumentos, de que a timeline pauta mais que a realidade, então sabe que alguma coisa está fora do lugar. A política não é puro teatro, mas tratar o teatro como totalidade é desistir do que ela pode ser: conflito regrado, disputa honesta, construção lenta. O antídoto não é ingenuidade nem niilismo; é precisão. Paciência para o detalhe. Disciplina para o contraditório. Coragem para encarar que, em tempos de manipulação barata e velocidade cara, pensar é um ato de resistência.

Democracia é músculo: atrofia sem treino. O exercício é simples e duro — perguntar quem ganha, reconstituir contexto, separar erro de impostura, resistir ao conforto do rótulo. Não há antídoto mais poderoso que uma mente treinada para contrariar o roteiro. Chegue antes das narrativas, rejeite o atalho, escolha a precisão. A verdade não é revelação; é construção. E construção pede luz acesa, mãos à obra e coragem para bancar o que se viu. O jogo não vira sozinho. Vira quando você puxa o fio — e não larga.

Este texto chega aos leitores como um convite claro: sair do papel de espectador hipnotizado e recuperar a capacidade de analisar o bastidor com olho clínico. Para ir além do ruído, discutir método e fortalecer um vocabulário comum que não se rende ao marketing do caos, nos vemos em Brasília no dia 26 de agosto, no Lobby do Auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, logo após o Simpósio de IA e Democracia. Lá faremos o lançamento nacional de “A Delicada (ou não) Arte da Desconstrução Política”. Te espero lá!

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